28.10.04

A crise europeia II - relembrando ALTIERO SPINELLI

....ou a importancia da (falta de) Sensibilidade e Bom Senso:

Por vezes, certos acasos aparentemente fortuitos, desencadeiam efeitos importantes e imprevisíveis. Alguns acontecimentos precipitam-se incontrolavelmente, a partir de situações acidentais.

A actual pré-crise institucional na União Europei, suspensa in extremis por José Manuel Barroso, tendo tido como pretexto inesperado as desastradas declarações de Rocco Buttiglione, arrisca-se a ficar na história da integração como um marco assinalável no progressivo reforço do estatuto político do Parlamento Europeu!

Daqui a alguns anos, quem se interesse pela história da Europa comunitária, talvez depare com personagens como o mencionado e polémico ex-futuro Comissário Italiano da Justiça e dos Assuntos Internos e José Barroso, ligadas involuntariamente à afirmação do papel (seja ele qual for!) do Parlamento Europeu.

Dito de outro modo: a partir de um caso que, na minha opinião, revela um manifesto déficite de «sensibilidade e de bom senso», pode avançar-se para um passo mais no ultrapassar de um outro deficite: o da afirmação e presença política do Parlamento, no contexto do funcionamento institucional comunitário.
Até certo ponto, um déficite de bom senso, poderá ajudar à superação de outro déficite (democrático)...

Foi contra esse déficite democrático ilustrado, na época (década de 1970 e 1980), pelas funções quase-decorativas do Parlamento (a única instituição comunitária, cuja composição resultava do voto directo dos cidadãos) que Altiero Spinelli trabalhou.

Spinelli foi um dos mais carismáticos Parlamentares Europeus, foi um político e (antes disso) jornalista de referência em Itália. Combateu o fascismo. Foi comunista. Foi ex-comunista. Foi assumidamente federalista. Criou o "clube do Crocodilo", em Estrasburgo (nome do restaurante onde ele e mais alguns deputados e políticos europeus se reuniam em tertúlia). Ele e o "clube do Crocodilo" estão na base da tentativa de um novo Tratado que garantisse um papel decisivo, sob o ponto de vista político, para o Parlamento Europeu e que acabou, no fim de contas, por dar origem ao bem menos ambicioso Acto Único Europeu de 1987. Spinelli morreu, porém, em 1986.

Agora, sem que o tenham querido, R. Buttiglione e José Manuel Barroso podem, tal como Altiero Spinelli, ter ajudado a um "virar de página" no funcionamento institucional da EU, caracterizado por (mais) um passo no sentido do reforço do papel político do Parlamento. A este propósito, parece-me muito lúcido este texto e esta reportagem.

Duas notas finais:

1. É justo relembrar que, ainda em Julho do corrente ano, Durão Barroso (ainda não assumidamente José Manuel Barroso)- talvez antevendo problemas como o do caso Buttiglione - tenha sugerido que os Estados-membros fornecessem, pelo menos, duas alternativas ao Presidente da Comissão, no que então respeitasse à indicação de Comissários (ou de potenciais Comissários)... Ninguém considerou, nem ninguém se lembrou mais da sua sugestão....até agora!

2. Há, contudo, problemas que se podem perspectivar, ainda que se conclua, de facto e mais tarde, que o "episódio Buttiglione" se saldou por uma efectiva vitória política do Parlamento Europeu.
Há mesmo quem chegue a falar no risco de uma "vitória de Pirro":

"Marco Incerti from the Centre for European Policy Studies feels that MEPs have «won a great battle».

However, he added «I am not sure they can win the war and even if they should».

He suggested that if the European Parliament were to gain «complete control over the Commission, you would probably see a situation where the member states would leave Brussels to itself».

«It's important that the member states remain engaged», says Mr Incerti
?.