26.4.05

EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO EUROPEIA

Não deixa de ser curioso que os oponentes à ratificação do «Tratado que institui uma Constituição para a Europa» sustentem os seus pontos de vista no argumento de que a construção comunitária deve ter exclusivamente uma natureza económica e mercantil, prescindindo, portanto, de uma dimensão política.
Obviamente que nem um processo de integração económica poderá, entre Estados que eram soberanos, prescindir de laços de dependência política, nem a diminuição de soberania económica, que um mercado sem fronteiras forçosamente comporta, é concebível sem a alienação de parcelas significativas de «ius imperii».
O ponto é, porém, outro.
É que, ao contrário do que supõem os partidários do «não», neste momento e desde o início das Comunidades, existe uma verdadeira Constituição política da União Europeia, que se aplica a todos quantos integram o espaço comunitário. Com a agravante de as suas normas estarem dispersas por fontes tão variadas como os Tratados instituidores e de revisão das Comunidades e da União, a jurisprudência do Tribunal de Justiça comunitário, e usos e praxes constitucionais que se foram desenvolvendo ao longo das últimas décadas. A confusão é, por conseguinte, imensa, e ninguém sabe exactamente porque regras se conduz a União Europeia, o que pode permitir abusos e atropelos por parte dos Estados mais fortes. Alguém, por exemplo, saberá apontar em que Tratado comunitário se encontra consagrado o princípio da aplicação directa do direito comunitário? Ou a regra segundo a qual cada um dos cinco grandes Estados-membros terá direito a dois Comissários, enquanto que os considerados pequenos apenas poderão beneficiar de um só? A resposta é simples: estas regras não estão em Tratado algum. Resultaram de interpretações jurisprudenciais e de costumes gerados pelo Conselho. Mas não poderá dizer-se que foram directamente os Estados que as consagraram, em exercício da sua soberania.
Ora, este é o problema: a falta de um texto constitucional uniforme levou a que a Europa comunitária fosse crescendo e desenvolvendo regras estruturantes, isto é, constitucionais, muitas vezes e na melhor das hipóteses, para além da vontade dos Estados.
Como é da boa tradição liberal a defesa da Constituição impõe-se, desde logo, para evitar abusos do poder político e para conformar a sua actuação com base em regras gerais e abstractas conhecidas por todos. Por isso, a defesa de uma Constituição Europeia é vital para a transparência do funcionamento político da União, e para a salvaguarda dos direitos dos seus Estados e dos cidadãos que os integram. Saber se o texto que vai a referendo é o mais conveniente ou não, é já outro tipo de problema. Por mim, que conheço razoavelmente o seu conteúdo, não a vejo muito diferente das normas dos Tratados em vigor. A parte relativa ao Mercado Único, por exemplo, é praticamente decalcada do Tratado da Comunidade Europeia. De todo o modo, ainda que existissem algumas alterações, entre esta proposta de Constituição formal e a subsistência da actual situação, não tenho qualquer dúvida em preferir a primeira hipótese. A bem da liberdade e da transparência política.