13.6.06

Da separação de poderes e do interesse legítimo

José Manuel Fernandes, no Público, volta hoje ao tema da suposta interferência dos poderes judiciais sobre os poderes executivos, a propósito das providências cautelares nos casos de encerramento de maternidades.
Julgo que vê erradamente o problema.
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Em primeiro lugar, o poder executivo emana do poder geral da sociedade, seja pelas leis aprovadas pelo parlamento, seja pela Constituição. Não tem, como não podia ter um poder de per si, mas simplesmente delegado pelos cidadãos. Assim sendo, sempre o cidadão deverá ter a possibilidade de perante uma medida concreta ou uma disposição regulamentar/administrativa de a questionar, não meramente sobre a sua legalidade como pretende JMF, mas também do seu mérito, pertinência, oportunidade ou tão só porque colide com o seu interesse individual, o qual julga igualmente protegido.

É que penso que JMF confunde duas coisas: uma é que, neste caso, não é o poder judicial que age por si, nem que faz interpretações abusivamente extensivas dos seus poderes. Mas sim, são os cidadãos legitimamente e dentro dos poderes que as leis lhes conferem para proteger o que julgam ser os seus interesses que recorrem às instituições judiciais, nascidas exactamente para derrimirem conflitos de interesses entre partes. Uma outra perspectiva que certamente preocupará JMF (e outros, nomeadamente entre vários bloggers) é da potencialidade de o poder executivo poder ver constantemente a sua acção colocada em causa, paralisando ou tornando ineficazes os seus poderes.

Ora, há que ser realista e constatar que apesar de o cidadão poder reagir contra a acção do poder executivo, contam-se pelos dedos da mão os casos em que o cidadão obtêm sucesso, nomeadamente impedindo previamente a acção do poder executivo. Está-se portanto longe do perigo de «paralisação».
Acresce a tudo isto, que mal seria que o cidadão não tivesse poder para impedir previamente ou cautelarmente uma qualquer acção executiva/administrativa que potencialmente poderá lesar os seus interesses e apenas estivesse confinado a pedir ressarcimento de danos à posteriori. Isso sim, seria um poder notoriamente abusivo, pois que permitiria ao executivo fazer o que bem entendesse (desde que dentro da «lei»), apenas com o ligeiro «risco» de ter de indemnizar (o que nunca é o caso, pois que as verbas não lhe pertencem...), tanto mais que há interesses que não podem ser substituídos ou reconstruídos por muito generosas que as verbas indemnizatórias fossem. Seria a tirania do facto consumado.

Pode um governo determinar o encerramento ou simples mudança do funcionamento das unidades de saúde ao seu cuidado? Claro, a lei permite-lhe tal poder. A execução desse poder pode ferir os interesses, igualmente legalmente protegidos de cidadãos particulares? Sim. E é para casos de conflito de interesses que existem os tribunais. Parece-me simples.

A não ser que se queira fazer um juízo à priori, extrajudicial, da não-legitimidade ou da inexistência de protecção legal do interesse particular. Ora, aí é que eu vejo violação da separação de poderes, ou, no mínimo interferência e pressão ilegítima sobre o poder judicial e os direitos dos cidadãos.