31.12.04

A diferença está no gesto (II)

Não tens razão, CAA! Seja quanto à pessoa, seja quanto às motivações. Aguiar-Branco não é político-dependente e sempre singrou na vida por si mesmo. No PSD, nunca se coibiu de dizer o que pensava e esteve quase sempre em minoria, acumulando derrotas, mas nunca saindo delas diminuído.

Quanto às motivações, tenho sérias dúvidas sobre a bondade de uma atitude do tipo "resguardo estratégico à espera que eles caiam de podres" que aparentemente defendes. Devo dizer que não tenho qualquer apreço pelos "notáveis" da oposição interna do PSD que se limitam a declarações ou a artigos em jornais, recusando "sujar-se" no lodaçal partidário. Esperam confortavelmente a queda de Santana e aguardam com ansiedade que apareça depois uma "figura carismática" (a eterna dependência do homem providencial), que pode ser um Cavaco ou um António Borges, para então enfileirarem por detrás dele na perspectiva de serem contemplados com um naco de poder.

Só que o poder conquista-se, raramente cai do céu. Não é por acaso que Soares, Sá Carneiro e Cavaco são as grandes figuras do pós 25 de Abril, aqueles de quem a História falará: eles foram à luta, conquistaram o poder a pulso e exerceram-no, cada qual à sua maneira, de forma solitária. E num regime partidocrático como é o nosso, por muito que contestemos a sua natureza (eu contesto!), o poder só é passível de ser alcançado dentro dos partidos.

Por isso é uma má política enveredar pela estratégia do quanto pior melhor e deixar todo o ouro ao bandido como Manuela Ferreira Leite (politicamente muito inábil, diga-se) fez de forma algo desastrada. Por isso, quem contesta Santana e se sente capaz de ser alternativa deveria, há 5 meses, ter arregaçado as mangas e angariado assinaturas para convocar um Congresso extraordinário. Por isso, e não o tendo feito, deveria mesmo assim apresentar-se no Congresso de Barcelos a disputar a liderança, em vez de deixar o monopólio da mera contestação politiqueira a uma figurinha como Marques Mendes, que não é nem nunca será alternativa a nada nem a ninguém. Por isso, e não o tendo feito, deveria "forçar" a sua integração nas listas para as próximas eleições e evitar que o futuro grupo parlamentar seja um exclusivo das nulidades do aparelho e o Parlamento um órgão cada vez mais caricatural. Por isso, só temos a lamentar que não haja muitas mais figuras com a credibilidade de um Aguiar Branco a candidatarem-se e que estejam amanhã em condições de constituir uma verdadeira alternativa.

Podemos, muitas vezes sobranceiramente, detestar Santana - e como sabes eu incluo-me neste grupo - mas ele sempre lutou dentro do Partido, mesmo sabendo que perderia. Esse mérito ninguém lho tira e constitui porventura a sua grande força. Na política, como em tudo na vida, temos de estar sempre preparados para perder. Os "notáveis" anti-Santana não estão e isso só denota a sua fraqueza. Por isso, não merecem crédito.