Confesso que, ao fim de (quase) quatro décadas e meia de existência, poucas são as coisas e as pessoas que são capazes de me «tirar do sério». Hoje, porém, um comentário do meu amigo RAF a um «post» que editei sobre o referendo, que aí se prepara, ao aborto, teve esse notável e estimulante efeito.###
O RAF qualifica a minha posição (qual posição?) de guterrista e desafia-me a apresentar os seus fundamentos. Eu penso, porém, que o RAF está seriamente equivocado. Desde logo, por eu não ter defendido, pelo menos no «post» em causa, qualquer posição em favor ou em desfavor da descriminalização do aborto. Mas, também, porque antes de mim e de qualquer fundamentação que possa vir a invocar, existem certamente inúmeras associações e pessoas com responsabilidades públicas e sociais que têm a obrigação de o fazer, a quem não tenho ouvido o RAF pedir explicações. Nem o RAF nem ninguém. Sobretudo aqueles que tanto pregam para manter o regime legal como está. E há coisas que é preciso explicar, nomeadamente, como é que concilia um ataque irracional, obscurantista e criminoso ao uso profilático e preventivo dos preservativos e dos meios anti-concepcionais, com o lacrimejante combate à proliferação do aborto. Para que se não diga que estou a guterrar, quero deixar aqui claro que me refiro à Igreja Católica, Apostólica e Romana, à hierarquia, mas sobretudo à sua comunidade de crentes e seguidores, donde vêm as manifestações de maior histerismo sobre este assunto, habitualmente aliadas a práticas pessoais que em nada condizem com tão piedosos sentimentos. Será que alguém de bom senso me dirá que a esmagadora maioria dos católicos portugueses, mesmo os de comunhão semanal, não usa preservativo? Ou que as meninas e senhoras que são católicas não tomam a pílula ou não utilizam os meios anti-concepcionais disponíveis no mercado? E que não fazem abortos, muitas vezes levianamente e apenas por razões de interesse pessoal? E que não praticam sexo antes do casamento? No plano dos princípios e da teoria pura, tudo é mais ou menos racionalizável e defensável. Só que a sexualidade - e o crescimento exponencial das práticas abortivas é resultado directo da liberalização dos costumes sexuais das sociedades ocidentais - é um dado de facto que só não é visto por cegueira ou por hipocrisia. Envolve sentimentos complexos, pessoais e impossíveis de transmitir e que, salvo melhor opinião, ninguém - menos ainda o Estado - será capaz de avaliar e de condenar ou de absolver pela justiça humana.
O que, por isso, é de evitar é que o referendo ao aborto se transforme num reportório de banalidades e de proclamações inflamadas de parte a parte, sobretudo de quem oferece soluções milagrosas e exige punições exemplares. E que não sirva para a afirmação das virtudes públicas por parte de quem se ignoram os vícios privados, e que quer julgar os outros por actos e práticas que - indicam-nos as estatísticas - muito provavelmente terá cometido ou deixado cometer.
Do meu humilde ponto de vista, não há coisa mais enervante, diria mesmo, irritante, que os discursos politicamente moralistas sobre a moral dos outros. Na questão do aborto, por mais voltas que se dêem, é sempre um juízo moral sobre o próximo que está em jogo. Quase me sinto inclinado a sugerir que quem os queira fazer, arrogando-se no direito de julgar a moral alheia, deva apresentar a sua declaração de interesses. Por exemplo: já fez algum aborto?; já pediu à sua namorada que o fizesse?; usou preservativos com a namorada, a mulher ou a amante?; pratica sexo extraconjugal?; estimula a parceira sexual ao uso da pílula?; perdeu a virgindade na noite de núpcias ou foi em estado de pecado para o matrimónio?; vê filmes pornográficos?; já foi às «meninas»?; pratica o coito anal ou não envereda por essas práticas moralmente abjectas?; e, já agora, costuma masturbar-se?
A meu ver, não ter uma folha de serviços menos que imaculada em cada um destes itens é incompatível com a arrogância de fazer juízos de valor jurídico-penal sobre os outros e exigir o julgamento público de quem tenha sido apanhado a prevaricar. Por isso, quem quiser debater nestes termos, pelo menos comigo, que avance. Terá, nessa altura, da minha parte, a devida resposta e a respectiva declaração de interesses.
O RAF qualifica a minha posição (qual posição?) de guterrista e desafia-me a apresentar os seus fundamentos. Eu penso, porém, que o RAF está seriamente equivocado. Desde logo, por eu não ter defendido, pelo menos no «post» em causa, qualquer posição em favor ou em desfavor da descriminalização do aborto. Mas, também, porque antes de mim e de qualquer fundamentação que possa vir a invocar, existem certamente inúmeras associações e pessoas com responsabilidades públicas e sociais que têm a obrigação de o fazer, a quem não tenho ouvido o RAF pedir explicações. Nem o RAF nem ninguém. Sobretudo aqueles que tanto pregam para manter o regime legal como está. E há coisas que é preciso explicar, nomeadamente, como é que concilia um ataque irracional, obscurantista e criminoso ao uso profilático e preventivo dos preservativos e dos meios anti-concepcionais, com o lacrimejante combate à proliferação do aborto. Para que se não diga que estou a guterrar, quero deixar aqui claro que me refiro à Igreja Católica, Apostólica e Romana, à hierarquia, mas sobretudo à sua comunidade de crentes e seguidores, donde vêm as manifestações de maior histerismo sobre este assunto, habitualmente aliadas a práticas pessoais que em nada condizem com tão piedosos sentimentos. Será que alguém de bom senso me dirá que a esmagadora maioria dos católicos portugueses, mesmo os de comunhão semanal, não usa preservativo? Ou que as meninas e senhoras que são católicas não tomam a pílula ou não utilizam os meios anti-concepcionais disponíveis no mercado? E que não fazem abortos, muitas vezes levianamente e apenas por razões de interesse pessoal? E que não praticam sexo antes do casamento? No plano dos princípios e da teoria pura, tudo é mais ou menos racionalizável e defensável. Só que a sexualidade - e o crescimento exponencial das práticas abortivas é resultado directo da liberalização dos costumes sexuais das sociedades ocidentais - é um dado de facto que só não é visto por cegueira ou por hipocrisia. Envolve sentimentos complexos, pessoais e impossíveis de transmitir e que, salvo melhor opinião, ninguém - menos ainda o Estado - será capaz de avaliar e de condenar ou de absolver pela justiça humana.
O que, por isso, é de evitar é que o referendo ao aborto se transforme num reportório de banalidades e de proclamações inflamadas de parte a parte, sobretudo de quem oferece soluções milagrosas e exige punições exemplares. E que não sirva para a afirmação das virtudes públicas por parte de quem se ignoram os vícios privados, e que quer julgar os outros por actos e práticas que - indicam-nos as estatísticas - muito provavelmente terá cometido ou deixado cometer.
Do meu humilde ponto de vista, não há coisa mais enervante, diria mesmo, irritante, que os discursos politicamente moralistas sobre a moral dos outros. Na questão do aborto, por mais voltas que se dêem, é sempre um juízo moral sobre o próximo que está em jogo. Quase me sinto inclinado a sugerir que quem os queira fazer, arrogando-se no direito de julgar a moral alheia, deva apresentar a sua declaração de interesses. Por exemplo: já fez algum aborto?; já pediu à sua namorada que o fizesse?; usou preservativos com a namorada, a mulher ou a amante?; pratica sexo extraconjugal?; estimula a parceira sexual ao uso da pílula?; perdeu a virgindade na noite de núpcias ou foi em estado de pecado para o matrimónio?; vê filmes pornográficos?; já foi às «meninas»?; pratica o coito anal ou não envereda por essas práticas moralmente abjectas?; e, já agora, costuma masturbar-se?
A meu ver, não ter uma folha de serviços menos que imaculada em cada um destes itens é incompatível com a arrogância de fazer juízos de valor jurídico-penal sobre os outros e exigir o julgamento público de quem tenha sido apanhado a prevaricar. Por isso, quem quiser debater nestes termos, pelo menos comigo, que avance. Terá, nessa altura, da minha parte, a devida resposta e a respectiva declaração de interesses.