A generalidade dos comentários à intervenção de Bento XVI oscila entre dizer que o texto "foi mal entendido", "treslido" ou nem sequer "lido"; outros, no entanto, preferem salientar a "imprudência", tratando-o sobranceiramente por "incauto"; há até quem o acuse de "atirar achas para a fogueira" e mesmo quem vislumbre uma sinistra conspiração destinada a tornar o Vaticano na sede universal da luta contra o fanatismo religioso, embusteando, pelo caminho, todos os patinhos cujo intelecto não consegue atingir tais dimensões labirínticas.
Queria, no entanto, deixar a seguinte questão: e se o Papa quisesse mesmo associar-se à citação do imperador bizantino (não acredito que fosse essa a sua vontade) ? E se Bento XVI resolvesse dizer aquilo que tantos pensam, i.e. que o Islão tem na sua génese e na sua essência elementos de intolerância e de violência de tal modo potenciadores do fanatismo que o tornam incompatível com a modernidade e a razão?
Teria, então, de pedir desculpas? Mas onde estão as desculpas dos líderes religiosos islâmicos pelos incontáveis crimes que nos últimos anos se têm cometido em nome do seu credo? Algum responsável muçulmano se lamentou pela utilização permanente de princípios religiosos nos massacres perpetrados em toda a parte durante a nossa geração? Desde logo, alguma vez um teólogo, intelectual, dirigente político ou líder religoso do mundo muçulmano pediu desculpas por tantos responsáveis estarem constante e publicamente a vilipendiarem outros credos, outras culturas e a demonizarem todas as formas distintas de entender o mundo em relação àquela que o profeta terá decretado há cerca de 1386 anos?
Algum de entre eles lamentou que o Corão seja utilizado como pretexto sagrado para, por exemplo, perpetuar a obscena menorização das mulheres? ###
P.S. (1) Eu não tive a "graça" de ver Frei Bento Domingues a criticar o Papa na TV - mas não posso dizer que fiquei surpreendido. No entanto, este grito de júblilo parece-me bastante elucidativo para quem tiver curiosidade em saber o tom utilizado pelo Frei...
P.S. (2) Uma leitora corrigiu-me por email. Agradeço, publico e explico-me:
«Não há teólogos no Islão. Teologia pressupõe uso da razão, exegese, questionamento, crítica, reflexão, actividades incompatíveis com a forma literal com que o Corão é lido e aceite e o seu carácter sagrado. Também por isso dificilmente um muçulmano (ser moderado é também um conceito nosso que gostaríamos que fosse equivalente ao nosso "católico não praticante") poderá lamentar ou questionar a menorização das mulheres. Está no Corão».
Admito que sim. Mas usei a expressão no seu sentido mais comum, o mesmo que tem sido utilizado nos media. Porventura incompleto e equívoco. Mas que - julgo - não perturba o significado que queria expressar na minha posta.
P.S. (3) A Palmira F. da Silva, do Diário Ateísta, que não conheço pessoalmente mas por quem nutro um enorme respeito intelectual, escreveu uma posta em continuação daquela que "me fez sair do sério" (como diria o Rui) e que refiro indirectamente neste meu texto.
Aí, a Palmira pede-me desculpas. É um manifesto exagero que me deixa constrangido.
Se é certo que fiquei vagamente enxofrado por ter sido catalogado como «patinho», designação que me pareceu cruelmente desproporcionada face aos meus ditosos 110 kg, também não posso deixar de considerar que não era preciso tanto. Só li o texto da Palmira depois de escrever esta minha posta. Pensei, até, em retirar a parte em que "brinco" com as «conspirações de dimensões labirínticas». Mas, por razões de vária ordem, optei por manter o meu texto.
No entanto, anoto o gesto que revela uma grandeza que eu, noutras situações mais ou menos análogas, não consegui alcançar.