(* Texto afectado pelo síndrome da intemporalidade jurássica sindical. Foi escrito em 24 de Março de 2005. Vale para hoje.)
Alguns empregados da STCP param hoje durante algumas horas por causa de um plenário. O plenário é uma das últimas reminiscências do PREC que ainda subsistem no Portugal do século XXI. O plenário é uma festa. Uma quebra de rotina. A malta larga o trabalho e junta-se nas instalações da empresa para ouvir as prelecções dos sindicalistas de serviço. Estes vão falar mal da administração, dos governos, do pacote laboral e vão exigir mais uns milhares de euros para cada colega e/ou a reposição do poder de compra e/ou a reformulação dos planos de carreira e/ou subsídios vários e/ou a manutenção de acordos colectivos que protejam os medíocres e/ou mais algumas regalias que no conjunto se constituem quase sempre em enormes impossibilidades económicas mas que por vezes são bem sucedidas porque quem paga é quase sempre o contribuinte que não é tido nem achado na conversa.
Ninguém vai falar da razão de existir da STCP. Os clientes. O conjunto de cidadãos que querem adquirir um serviço chamado transporte e que, privados de concorrência e crentes na justiça dos preços fortemente subsidiados, ficaram novamente apeados por quebra de serviço no monopólio. Para os sindicalistas, um portuense sem transporte é uma irrelevância. Um pião no jogo. Para um sindicalista de empresa pública, raramente há clientes. Há utentes. Clientes são chatos, exigem. Utentes calam-se e deviam ser obrigados a agradecer o serviço que os trabalhadores abnegados fazem o favor de lhes prestar, quando não há greve ou plenário. Os utentes são a parte aborrecida do emprego. Para um bom sindicalista, o core business destas empresas é servir os seus trabalhadores e proporcionar-lhes um salário. Os utentes são apenas um detalhe incómodo, uma aborrecida verticalização empresarial habitual no sector. ###
É por isso importantíssimo para os sindicalistas que os preços continuem a ser absolutamente subsidiados. Se as receitas dos SCTP tivessem origem exclusiva nos passageiros, as coisas podiam ficar negras, mas a realidade é outra. O verdadeiro cliente não são os passageiros. O cliente é quem paga pelo serviço. O grande cliente da STCP é a autarquia que paga sempre. Nada como uma boa greve para obrigar esse grande cliente inconsciente e aparentemente milionário a despejar mais dinheiro sobre a empresa, pressionado por esses milhares de utentes votantes lixados com os transtornos das paralisações.
Hoje, os trabalhadores da STCP borrifam-se novamente para os que deveriam ser clientes mas são apenas utentes. Se isto acontecesse na maior parte das empresas privadas, as portas fechavam. Em mercados abertos e concorrenciais, um cliente que bate com o nariz na porta é cliente que vai e não volta. É por isso que há poucas greves no sector privado. E é também por isso que não devem haver empresas públicas, nem monopólios. A força destes sindicalistas jurássicos que se estão nas tintas para o mercado que devia ser a razão da sua existência nasce justamente destas distorções. E a força que eles demonstram explica também parte das razões do atraso português.