Farto de aturar os desvarios e os desmandos dos capitalistas portugueses, o brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, Comandante supremo do COPCON (o zeloso Comando Operacional do Continente), função que acumulava, graças à sua inesgotável capacidade de trabalho e a um enorme talento, com a de Comandante da Região Militar de Lisboa, resolveu ordenar a prisão de uns tantos exploradores do bom povo trabalhador, na noite de 13 de Dezembro de 1974, sob a suspeita do terrível crime de «fascismo».
A medida compreendia-se e era sensata. Os detidos conspiravam contra a boa ordem revolucionária e, cobardemente, sabotavam a economia nacional. Eles que, donos de fábricas, bancos e empresas, invejosos e arrogantes, não eram capazes de tolerar as oportunidades criadas pela nova ordem estabelecida e pelo novíssimo regime democrático e popular. Vai daí, antes que causassem mais mossa à economia nacional, antevendo as muitas dificuldades económicas que a «pesada herança» havia de trazer ao país, o brigadeiro engavetou-os sem apelo nem agravo. E sem que lhes fosse dito porquê, obviamente. Ao tempo, a palavra de um revolucionário ainda tinha valor. E se Otelo dizia que aqueles verdugos queriam mal à economia, ao povo e à pátria, estava o assunto encerrado, encerrando os cavalheiros em lugar conveniente.###
Uns dias mais tarde, passado já o Natal e o Ano Novo, em meados do primeiro mês do ano seguinte, o governo patriótico do coronel Gonçalves iniciou, paulatina e sensatamente, como era seu timbre e feitio, uma ordeira vaga de nacionalizações. Pois, se os grandes capitalistas conspiravam contra a economia nacional, o povo e a pátria, a pátria e o povo que lhes ficassem com os bancos, as seguradoras e as empresas em geral. Assim foi feito, a bem da Nação, com os notáveis resultados de que todos ainda hoje beneficiamos.
Nesse compasso de tempo e após a tentativa golpista do errático general Spínola, o general Costa Gomes ascendera à mais alta magistratura da Nação. Estávamos a 30 de Setembro de 1974 e o velho general do monócolo aristocrático e vaidoso enredara-se num bizarro golpismo anti-democrático, que envolvia maiorias silenciosas, touradas e apupadelas públicas ao Sr. Primeiro-Ministro Gonçalves. Coisas que não se fazem, caem mal às nações civilizadas e não se podem tolerar. Vai daí, uns dias mais tarde, nos idos do 11 de Março de 75, novo golpe. O homem não se cansava de golpear deslealmente os seus camaradas de armas que, esgotada a tolerância, lhe deram guia de marcha e o deixaram abalar para Madrid.
Estava, pois, reposta a ordem democrática e o Estado de Direito: Costa Gomes, Presidente, Vasco Gonçalves, Primeiro-Ministro e Otelo, Grande Comandante. A Salvação Pública vinha a caminho pela mão deste fascinante Comité e, para Otelo, apreciador das boas tradições, a «salvação pública» deveria ter começo no Campo Pequeno.
Assim se reuniram, de forma expedita, as condições ideais para concretizar os três «D?s» de Abril: «Democratizar», «Descolonizar» e «Desenvolver». Este último fora cumprido com a prisão do grande capital e as nacionalizações. O primeiro, asseguradíssimo pelos elevados sentimentos democráticos das ilustres autoridades do Estado. Faltava «Descolonizar». Foi do que se tratou, expeditamente também, a partir daí, com os resultados que todos conhecemos. Libertado Moçambique em 25 de Junho de 75, resolvida a Guiné em 10 de Setembro, restava Angola, tornada independente dois meses depois, a 11 de Novembro.
A partir de então, misteriosamente, o empenho pessoal do Dr. Álvaro Cunhal pelo rectângulo pareceu ter esmorecido. Ainda tolerou o cerco da «Constituinte» em 12 de Novembro, onde, de resto, os senhores deputados da sua bancada tiveram um comportamento democraticamente exemplar, mas já não era a mesma coisa. Os ventos da história sopravam mais suaves. O Dr. Cunhal não estava, de facto, fadado para apparatchik regional do Império Soviético. Ele fora um dos mais fiéis intérpretes e executores do internacionalismo proletário e, um dia, o seu mérito seria reconhecido na fraternidade universal que o Grande Império instauraria na Ásia, na Europa, em África e na América. A Oceânia, onde habitavam mais cangurus do que operários, podia esperar e o nosso pequeno rectângulo era já uma insignificância na marcha socialista da humanidade.
Até que no dia 25 de Novembro de 1975, um grupo de desordeiros depôs pela violência das armas o regime e a ordem instituídos. Fascistas e golpistas ligados a Spínola (já a banhos no Rio) e ao MDLP, como Jaime Neves, Tomé Pinto, Ramalho Eanes, Vasco da Rocha Vieira e Loureiro dos Santos, depuseram as autoridades legitimamente constituídas e destruíram o sonho cubano português. Otelo bem avisara que, tivesse um pouco mais de cultura e seria o nosso «Comnadante», o nosso Fidel. Dois dias depois foi corrido das suas altas funções, o que não deixou de ser merecida punição: para a próxima, que se aplique mais nos estudos!
Falando, agora, seriamente, é a estes e a outros homens que, faz hoje trinta anos arriscaram as suas vidas, que devemos a liberdade. Ela teria, certamente, vindo mais tarde ou mais cedo. Mas, não fossem eles, Portugal não teria escapado a um banho de sangue de que esteve muito próximo e a que hoje ainda estaríamos a fazer contas.
Dos bonzos arvorados em pretorianos tutelares do regime, só mais tarde nos livraríamos, é certo, com a extinção do malfadado Conselho da Revolução, em 1982. Porque, os verdadeiros heróis do 25 de Novembro souberam honradamente regressar aos seus postos, deixando o poder político à sociedade civil, como deve ser feito. Bem-hajam, pois, trinta e um anos depois.
Farto de aturar os desvarios e os desmandos dos capitalistas portugueses, o brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, Comandante supremo do COPCON, o zeloso Comando Operacional do Continente e, também, Comandante da Região Militar de Lisboa, ordenou a prisão de uns tantos exploradores do bom povo trabalhador, na noite de 13 de Dezembro de 1974.
A medida compreendia-se e era sensata. Os detidos conspiravam contra a boa ordem revolucionária e, cobardemente, sabotavam a economia nacional. Eles que, donos de fábricas, bancos e empresas, invejosos e arrogantes, não eram capazes de tolerar as oportunidades criadas pela nova ordem estabelecida e pelo regime democrático e popular instaurado. Vai daí, antes que causasse mais mossa à economia nacional, o brigadeiro engavetou-os sem apelo nem agravo. E sem que lhes fosse dito porquê, obviamente. Ao tempo, a palavra de um revolucionário ainda tinha valor. E se Otelo dizia que aqueles verdugos queriam mal à economia, ao povo e à pátria, estava o assunto encerrado, encerrando os cavalheiros em lugar conveniente.
Uns dias mais tarde, passado já o Natal e o Ano Novo, em meados do primeiro mês do ano seguinte, o governo patriótico do coronel Gonçalves iniciou, paulatina e sensatamente, como era seu timbre e feitio, uma ordeira vaga de nacionalizações. Pois, se os grandes capitalistas conspiravam contra a economia nacional, o povo e a pátria, a pátria e o povo que lhes ficasse com os bancos, as seguradoras e as empresas em geral. Assim foi feito, a bem da Nação, com os notáveis resultados de que todos ainda hoje beneficiamos.
Nesse compasso de tempo e após a tentativa golpista do errático general Spínola, o general Costa Gomes ascendera à mais alta magistratura da Nação. Estávamos a 30 de Setembro de 1974 e o velho general do binóculo enredara-se num bizarro golpismo anti-democrático, que envolvia maiorias silenciosas, touradas e apupadelas públicas ao Sr. Primeiro-Ministro Gonçalves. Coisas que não se fazem, caem mal às nações civilizadas e não se podem tolerar. Vai daí, uns meses mais tarde, nos idos do 11 de Março de 75, novo golpe. O homem não se cansava de golpear deslealmente os seus camaradas de armas que, esgotada a tolerância, lhe deram guia de marcha e o deixaram abalar para Madrid.
Estava, pois, reposta a ordem democrática e o Estado de Direito: Costa Gomes, Presidente, Vasco Gonçalves, Primeiro-Ministro e Otelo, Grande Comandante. A Salvação Pública vinha a caminho pela mão deste fascinante Comité e, para Otelo, apreciador das boas tradições, deveria ter começo no Campo Pequeno.
Assim se reuniram, de forma expedita, as condições ideais para concretizar os três «D?s» de Abril: «Democratizar», «Descolonizar» e «Desenvolver». Este último fora cumprido com a prisão do grande capital e as nacionalizações. O primeiro, asseguradíssimo pelas ilustres autoridades do Estado. Faltava «Descolonizar». Foi do que se tratou, expeditamente também, a partir daí, com os resultados que todos conhecemos. Libertado Moçambique em 25 de Junho de 75, resolvida a Guiné em 10 de Setembro, restava Angola, tornada independente dois meses depois, a 11 de Novembro.
A partir de então, misteriosamente, o empenho pessoal do Dr. Álvaro Cunhal pelo rectângulo pareceu ter esmorecido. Ainda tolerou o cerco da «Constituinte» em 12 de Novembro, onde, de resto, os senhores deputados da sua bancada tiveram um comportamento democraticamente exemplar, mas já não era a mesma coisa. Os ventos da história sopravam mais suaves. O Dr. Cunhal não estava, de facto, fadado para apparatchik regional do Império Soviético. Ele fora um dos mais fiéis intérpretes e executores do internacionalismo proletário e, um dia, o seu mérito seria reconhecido na fraternidade universal que o Grande Império instauraria na Ásia, na Europa, em África e na América. A Oceânia, onde há mais cangurus que operários, podia esperar e o nosso pequeno rectângulo era já uma insignificância na marcha socialista da humanidade.
Até que no dia 25 de Novembro de 1975, um grupo de desordeiros depôs pela violência das armas o regime e a ordem instituídos. Fascistas e golpistas ligados a Spínola (já a banhos no Rio) e ao MDLP, como Jaime Neves, Tomé Pinto, Ramalho Eanes, Vasco da Rocha Vieira e Loureiro dos Santos, depuseram as autoridades legitimamente constituídas e destruíram o sonho cubano português. Otelo bem avisara que, tivesse um pouco mais de cultura e seria o nosso Fidel de Castro. Dois dias depois foi corrido das suas altas funções, o que não deixou de ser merecida punição: para a próxima, que se aplique mais nos estudos!
Falando, agora, seriamente, é a estes e a outros homens que, faz hoje trinta anos arriscaram as suas vidas, que devemos a liberdade. Ela teria, certamente, vindo mais tarde ou mais cedo. Mas, não fossem eles, Portugal não teria escapado a um banho de sangue a que hoje ainda estaríamos a fazer contas.
Dos bonzos arvorados em pretorianos tutelares do regime, só mais tarde nos livraríamos, é certo, com a extinção do malfadado Conselho da Revolução, em 1982. Porque, os verdadeiros heróis do 25 de Novembro souberam honradamente regressar aos seus postos, deixando o poder político à sociedade civil, como deve ser feito. Bem-hajam, pois, trinta anos depois.
* Adaptado do texto original publicado no PC.
A medida compreendia-se e era sensata. Os detidos conspiravam contra a boa ordem revolucionária e, cobardemente, sabotavam a economia nacional. Eles que, donos de fábricas, bancos e empresas, invejosos e arrogantes, não eram capazes de tolerar as oportunidades criadas pela nova ordem estabelecida e pelo novíssimo regime democrático e popular. Vai daí, antes que causassem mais mossa à economia nacional, antevendo as muitas dificuldades económicas que a «pesada herança» havia de trazer ao país, o brigadeiro engavetou-os sem apelo nem agravo. E sem que lhes fosse dito porquê, obviamente. Ao tempo, a palavra de um revolucionário ainda tinha valor. E se Otelo dizia que aqueles verdugos queriam mal à economia, ao povo e à pátria, estava o assunto encerrado, encerrando os cavalheiros em lugar conveniente.###
Uns dias mais tarde, passado já o Natal e o Ano Novo, em meados do primeiro mês do ano seguinte, o governo patriótico do coronel Gonçalves iniciou, paulatina e sensatamente, como era seu timbre e feitio, uma ordeira vaga de nacionalizações. Pois, se os grandes capitalistas conspiravam contra a economia nacional, o povo e a pátria, a pátria e o povo que lhes ficassem com os bancos, as seguradoras e as empresas em geral. Assim foi feito, a bem da Nação, com os notáveis resultados de que todos ainda hoje beneficiamos.
Nesse compasso de tempo e após a tentativa golpista do errático general Spínola, o general Costa Gomes ascendera à mais alta magistratura da Nação. Estávamos a 30 de Setembro de 1974 e o velho general do monócolo aristocrático e vaidoso enredara-se num bizarro golpismo anti-democrático, que envolvia maiorias silenciosas, touradas e apupadelas públicas ao Sr. Primeiro-Ministro Gonçalves. Coisas que não se fazem, caem mal às nações civilizadas e não se podem tolerar. Vai daí, uns dias mais tarde, nos idos do 11 de Março de 75, novo golpe. O homem não se cansava de golpear deslealmente os seus camaradas de armas que, esgotada a tolerância, lhe deram guia de marcha e o deixaram abalar para Madrid.
Estava, pois, reposta a ordem democrática e o Estado de Direito: Costa Gomes, Presidente, Vasco Gonçalves, Primeiro-Ministro e Otelo, Grande Comandante. A Salvação Pública vinha a caminho pela mão deste fascinante Comité e, para Otelo, apreciador das boas tradições, a «salvação pública» deveria ter começo no Campo Pequeno.
Assim se reuniram, de forma expedita, as condições ideais para concretizar os três «D?s» de Abril: «Democratizar», «Descolonizar» e «Desenvolver». Este último fora cumprido com a prisão do grande capital e as nacionalizações. O primeiro, asseguradíssimo pelos elevados sentimentos democráticos das ilustres autoridades do Estado. Faltava «Descolonizar». Foi do que se tratou, expeditamente também, a partir daí, com os resultados que todos conhecemos. Libertado Moçambique em 25 de Junho de 75, resolvida a Guiné em 10 de Setembro, restava Angola, tornada independente dois meses depois, a 11 de Novembro.
A partir de então, misteriosamente, o empenho pessoal do Dr. Álvaro Cunhal pelo rectângulo pareceu ter esmorecido. Ainda tolerou o cerco da «Constituinte» em 12 de Novembro, onde, de resto, os senhores deputados da sua bancada tiveram um comportamento democraticamente exemplar, mas já não era a mesma coisa. Os ventos da história sopravam mais suaves. O Dr. Cunhal não estava, de facto, fadado para apparatchik regional do Império Soviético. Ele fora um dos mais fiéis intérpretes e executores do internacionalismo proletário e, um dia, o seu mérito seria reconhecido na fraternidade universal que o Grande Império instauraria na Ásia, na Europa, em África e na América. A Oceânia, onde habitavam mais cangurus do que operários, podia esperar e o nosso pequeno rectângulo era já uma insignificância na marcha socialista da humanidade.
Até que no dia 25 de Novembro de 1975, um grupo de desordeiros depôs pela violência das armas o regime e a ordem instituídos. Fascistas e golpistas ligados a Spínola (já a banhos no Rio) e ao MDLP, como Jaime Neves, Tomé Pinto, Ramalho Eanes, Vasco da Rocha Vieira e Loureiro dos Santos, depuseram as autoridades legitimamente constituídas e destruíram o sonho cubano português. Otelo bem avisara que, tivesse um pouco mais de cultura e seria o nosso «Comnadante», o nosso Fidel. Dois dias depois foi corrido das suas altas funções, o que não deixou de ser merecida punição: para a próxima, que se aplique mais nos estudos!
Falando, agora, seriamente, é a estes e a outros homens que, faz hoje trinta anos arriscaram as suas vidas, que devemos a liberdade. Ela teria, certamente, vindo mais tarde ou mais cedo. Mas, não fossem eles, Portugal não teria escapado a um banho de sangue de que esteve muito próximo e a que hoje ainda estaríamos a fazer contas.
Dos bonzos arvorados em pretorianos tutelares do regime, só mais tarde nos livraríamos, é certo, com a extinção do malfadado Conselho da Revolução, em 1982. Porque, os verdadeiros heróis do 25 de Novembro souberam honradamente regressar aos seus postos, deixando o poder político à sociedade civil, como deve ser feito. Bem-hajam, pois, trinta e um anos depois.
Farto de aturar os desvarios e os desmandos dos capitalistas portugueses, o brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, Comandante supremo do COPCON, o zeloso Comando Operacional do Continente e, também, Comandante da Região Militar de Lisboa, ordenou a prisão de uns tantos exploradores do bom povo trabalhador, na noite de 13 de Dezembro de 1974.
A medida compreendia-se e era sensata. Os detidos conspiravam contra a boa ordem revolucionária e, cobardemente, sabotavam a economia nacional. Eles que, donos de fábricas, bancos e empresas, invejosos e arrogantes, não eram capazes de tolerar as oportunidades criadas pela nova ordem estabelecida e pelo regime democrático e popular instaurado. Vai daí, antes que causasse mais mossa à economia nacional, o brigadeiro engavetou-os sem apelo nem agravo. E sem que lhes fosse dito porquê, obviamente. Ao tempo, a palavra de um revolucionário ainda tinha valor. E se Otelo dizia que aqueles verdugos queriam mal à economia, ao povo e à pátria, estava o assunto encerrado, encerrando os cavalheiros em lugar conveniente.
Uns dias mais tarde, passado já o Natal e o Ano Novo, em meados do primeiro mês do ano seguinte, o governo patriótico do coronel Gonçalves iniciou, paulatina e sensatamente, como era seu timbre e feitio, uma ordeira vaga de nacionalizações. Pois, se os grandes capitalistas conspiravam contra a economia nacional, o povo e a pátria, a pátria e o povo que lhes ficasse com os bancos, as seguradoras e as empresas em geral. Assim foi feito, a bem da Nação, com os notáveis resultados de que todos ainda hoje beneficiamos.
Nesse compasso de tempo e após a tentativa golpista do errático general Spínola, o general Costa Gomes ascendera à mais alta magistratura da Nação. Estávamos a 30 de Setembro de 1974 e o velho general do binóculo enredara-se num bizarro golpismo anti-democrático, que envolvia maiorias silenciosas, touradas e apupadelas públicas ao Sr. Primeiro-Ministro Gonçalves. Coisas que não se fazem, caem mal às nações civilizadas e não se podem tolerar. Vai daí, uns meses mais tarde, nos idos do 11 de Março de 75, novo golpe. O homem não se cansava de golpear deslealmente os seus camaradas de armas que, esgotada a tolerância, lhe deram guia de marcha e o deixaram abalar para Madrid.
Estava, pois, reposta a ordem democrática e o Estado de Direito: Costa Gomes, Presidente, Vasco Gonçalves, Primeiro-Ministro e Otelo, Grande Comandante. A Salvação Pública vinha a caminho pela mão deste fascinante Comité e, para Otelo, apreciador das boas tradições, deveria ter começo no Campo Pequeno.
Assim se reuniram, de forma expedita, as condições ideais para concretizar os três «D?s» de Abril: «Democratizar», «Descolonizar» e «Desenvolver». Este último fora cumprido com a prisão do grande capital e as nacionalizações. O primeiro, asseguradíssimo pelas ilustres autoridades do Estado. Faltava «Descolonizar». Foi do que se tratou, expeditamente também, a partir daí, com os resultados que todos conhecemos. Libertado Moçambique em 25 de Junho de 75, resolvida a Guiné em 10 de Setembro, restava Angola, tornada independente dois meses depois, a 11 de Novembro.
A partir de então, misteriosamente, o empenho pessoal do Dr. Álvaro Cunhal pelo rectângulo pareceu ter esmorecido. Ainda tolerou o cerco da «Constituinte» em 12 de Novembro, onde, de resto, os senhores deputados da sua bancada tiveram um comportamento democraticamente exemplar, mas já não era a mesma coisa. Os ventos da história sopravam mais suaves. O Dr. Cunhal não estava, de facto, fadado para apparatchik regional do Império Soviético. Ele fora um dos mais fiéis intérpretes e executores do internacionalismo proletário e, um dia, o seu mérito seria reconhecido na fraternidade universal que o Grande Império instauraria na Ásia, na Europa, em África e na América. A Oceânia, onde há mais cangurus que operários, podia esperar e o nosso pequeno rectângulo era já uma insignificância na marcha socialista da humanidade.
Até que no dia 25 de Novembro de 1975, um grupo de desordeiros depôs pela violência das armas o regime e a ordem instituídos. Fascistas e golpistas ligados a Spínola (já a banhos no Rio) e ao MDLP, como Jaime Neves, Tomé Pinto, Ramalho Eanes, Vasco da Rocha Vieira e Loureiro dos Santos, depuseram as autoridades legitimamente constituídas e destruíram o sonho cubano português. Otelo bem avisara que, tivesse um pouco mais de cultura e seria o nosso Fidel de Castro. Dois dias depois foi corrido das suas altas funções, o que não deixou de ser merecida punição: para a próxima, que se aplique mais nos estudos!
Falando, agora, seriamente, é a estes e a outros homens que, faz hoje trinta anos arriscaram as suas vidas, que devemos a liberdade. Ela teria, certamente, vindo mais tarde ou mais cedo. Mas, não fossem eles, Portugal não teria escapado a um banho de sangue a que hoje ainda estaríamos a fazer contas.
Dos bonzos arvorados em pretorianos tutelares do regime, só mais tarde nos livraríamos, é certo, com a extinção do malfadado Conselho da Revolução, em 1982. Porque, os verdadeiros heróis do 25 de Novembro souberam honradamente regressar aos seus postos, deixando o poder político à sociedade civil, como deve ser feito. Bem-hajam, pois, trinta anos depois.
* Adaptado do texto original publicado no PC.