A democracia é o governo por opinião. Quando a opinião pública varia numa certa direcção, os políticos têm interesse em segui-la, afim de captarem votos e se fazerem eleger.###
Numa ditadura, as decisões que afectam a vida das pessoas em sociedade fluem dos políticos para a opinião pública - se é que se pode falar em opinião pública -, a qual tem de aceitar essas decisões e as suas consequências sem protestar. Numa democracia é ao contrário, são os políticos que estão sujeitos à ditadura da opinião pública e as decisões que eles adoptam, bem como a tolerância a essas decisões, são o resultado directo, na realidade o espelho, do clima de opinião pública prevalecente.
"Gosta de viver em Portugal?", perguntei eu ao médico polaco a trabalhar no país há cerca de dez anos. "Gosto - respondeu ele -, gosto muito de Portugal e dos portugueses. Excepto de uma coisa: esse individualismo dos portugueses, segundo o qual 'desde que eu esteja bem, os outros que se lixem' ".
Este individualismo anti-social - uma espécie de egoísmo próprio da adolescência - impede a formação de uma opinião pública e, a prazo, torna inviável qualquer democracia. Na realidade, ele abre espaços no tecido social por onde não tardarão a infiltrar-se os maiores abusos do Estado e dos grupos sociais organizados.
Deve o Fisco publicar uma lista dos seus devedores? Claro (desde que eu não esteja na lista). Deve o Estado fazer uma Lei dos Arredondamentos, à revelia dos contratos livremente aceites pelas partes? Claro (desde que eu ainda receba algum dinheiro). Deve o Estado fazer uma lei que obrigue as televisões a cortar na publicidade? Claro (desde que eu possa ver os meus programas preferidos à hora certa). Deve a justiça actuar sobre denúncias anónimas? Claro (desde que elas não incidam sobre mim).
A prazo, não existe opinião pública que se forme, e não existe democracia que resista, a esta forma de individualismo safado.
