Continuam os abusos por parte das grandes corporações em relação aos consumidores indefesos. Transcreve-se uma abordagem feita a uma utente com necessidade de aquisição de tecnologia, pelo funcionário bem treinado duma multinacional obcecada pelo lucro. Esta relação, profundamente assimétrica, só é possibilitada pela cartelização num sector em que a auto-regulação não funciona. Notas a vermelho, à atenção do Senhor Secretário de Estado da Defesa do Consumidor, para intervenção rápida. ###
Teresa: "Boa tarde. Queria um computador."
Funcionário: "Muito bem. Pode ser um pouco mais específica, exactamente, que computador é que precisa? Aqui temos tudo." (Sintoma de cartel, todos os fornecedores comercializam todos os produtos.)
Teresa: "É para escrever e ir à Internet."
Funcionário: "Bem, talvez um processador AMD sirva." (Funcionário tenta encaminhar cliente nos interesses da multinacional, não lhe deixando grandes hipóteses de escolha.)
Teresa: "Processador quero o Word, já estou habituada."
Funcionário: "Ah... não, referia-me ao processador, ao cérebro do computador. Pode ser AMD ou Intel." (Só perante a alternativa sugerida pela cliente é que o funcionário abre o jogo. Apenas sugere produtos norte-americanos. A regulamentação deve obrigar todos os fornecedores a sugerir pelo menos uma alternativa Made in UE.)
Teresa: "Oh, isso, não sei. Intel é melhor, não é?"
Funcionário: "Intel? bem, depende. Pode ter um AMD Athlon 64 mas tem da Intel mais rápidos" (Jargão técnico, incompreensível para a utente, que está prestes a ser enganada. É necessário que o estado imponha um código de conduta para evitar estes procedimentos impróprios.)
Teresa: "Mais rápido é importante. Escrevo depressa."
Funcionário: "Se quiser mesmo muito rápido tem os Intel Core 2 Dual." (Propõe-lhe um produto mais caro que a utente, provavelmente, não necessita.)
Teresa: "Cortuduel? Quanto é que isso custa?"
Funcionário: "Se o resto for igual pode custar-lhe 100 euros a mais". (100 euros. Valor claramente arredondado. Necessário proibir os arredondamentos.)
Teresa: "E os tais Átló, dão para escrever e ir à Internet?"
Funcionário: "Dão, dão. São é menos rápidos, mas na net nota-se pouco." (A Teresa mostrou alguma capacidade de negociação que nem está ao alcance de todos os utentes da loja, muitas vezes inibidos perante a complexidade técnica.)
Teresa: "Então quero o Átló."
Funcionário: "E quanto é que quer de memória? 512MB chegam-lhe, ou prefere 1GB?" (Inaceitável. A cliente pode querer 327MB. O fornecedor, em situação de grande vantagem, está a propor-lhe valores arredondados a 512MB. Será necessário legislar retroactivamente. Todos os utentes desta loja poderão ser ressarcidos pela memória não utilizada.)
Teresa: "Tem que dar para guardar livros, faço traduções. Chega-me?"
Funcionário: "512 MB são suficientes. (Má informação. Depende do tamanho dos livros. Vamos ter que regulamentar isto. ) E de disco?"
Teresa: "Não preciso, ouço na aparelhagem."
Funcionário: "Estava a referir-me ao disco rígido, precisa de um." (Produto acessório não essencial e sobre o qual a utente manifestou expressamente desinteresse. É necessário obrigar estas empresas a venderem os discos à parte. ASAE deve actuar de imediato.)
Teresa: "...Ah? han... ponha um então."
Funcionário: "Um de 250GB, então. E a placa gráfica?" (Parece um banco, a impingir ao cliente produtos que este não deseja.)
Teresa: "Não, não faço gráficos, só livros. Um gráfico de barras, talvez, de vez em quando."
Funcionário: "Temos placas gráficas que vão desde 59 euros até 649." (Absurda, esta amplitude de gama de preços para um mesmo produto. Obrigatório regulamentar o método de formação de preço. As placas mais caras não poderão custar mais do que 125% do preço duma placa de referência.)
Teresa: "Dê-me uma de 100 euros. Não, das de 150."
Funcionário: "OK, leva uma XFX 7600GS 256 DDR 2 DUAL DVI. Fica-lhe por 130 Euros." (Novamente, jargão incompreensível para a utente que está em situação de desvantagem. Claramente ilegal. A utente não sabe o que é que está a comprar. Esta placa pode ser anulada.)
Teresa: "Está bem. E onde é se põe a placa? Não tenho muito espaço disponível na mesa."
Funcionário: "Fica dentro da caixa." (Funcionário reconhece que o que se propõe vender à utente é desnecessário. Lamentáveis estas práticas das multinacionais descontroladas.)
Teresa: "Então se fica na caixa, para que é que preciso dela?"
Funcionário: "Na caixa... dentro do computador, a trabalhar. Quer uma drive de diskettes?" (Continua o abuso.)
Teresa: "Claro, preciso de gravar os trabalhos que faço."
Funcionário: "... pois. Oferecemos-lhe uma. Muito bem. E teclado e rato, quer com fios ou sem fios?" (Vai ser necessário uniformizar isto. Não faz sentido que uns utentes fiquem com fios e outros em fios. Parece haver aqui um campo para discricionariedade. Os fios deverão ser obrigatórios.)
Teresa: "Com. Sem. Com. Quanto é que custam os fios?"
Funcionário: "Arranjo-lhe sem fios, baratinho. 20 euros." (Os utentes ficam prejudicados e sem fios. Nestes casos a loja deverá ser obrigada a ressarcir o utente ou a enviar-lhe os fios para casa.)
Teresa: "Pode ser."
Funcionário: "E DVD, quer com gravador ou só leitor?" (Estratégia de venda agressiva. Motivo para nulidade. A utente quer um computador. A venda forçada de outros electrodomésticos deve ser regulamentada.)
Teresa: "Não, não preciso de nada disso."
Funcionário: "Precisa, para instalar o Windows, o processador de texto..." (A utente não pediu Windows nenhum. O Windows é um produto da globalização capitalista neoliberal. Teremos que regulamentar a venda do Windows, provavelmente criar um imposto especial sobre este produto e proibir a venda de Windows em lojas onde se vendam computadores)
Teresa: "Mas no outro computador não instalei nada. Já vinha tudo."
Funcionário: "Mas agora é assim... Tem que instalar." (Utente posta entre a espada e a parede. Repare-se na forma como o funcionário se exprime: 'tem que'. As lojas não podem obrigar os utentes a fazer nada. A inserir no código de conduta. Talvez seja necessário arranjar um sistema de alvarás para esta actividade, uma vez que ela parece incapaz de se auto-regular.)
Funcionário: "Pronto, deixe estar. Eu instalo. Que monitor quer?" (O funcionário sussurrou qualquer coisa. Convém investigar.)
Teresa: "Isso não preciso, o meu ainda funciona. É um Philips, de 1990."
Funcionário: "Nenhum computador novo trabalha com esse seu monitor..." (Escandaloso. É necessário legislar imediatamente a obrigação de retrocompatibilidade por um período mínimo de 50 anos.)
Teresa: "hum... e quanto custa um novo?"
Funcionário: "120 euros, os mais baratos." (Novamente, um arredondamento.)
Teresa : "Quanto é que me vai custar isso tudo?"
Funcionário: "877,30. Fazemos-lhe um arredondamento, fica tudo por 850,00" (Outra vez, a prática é recorrente e generalizada. Este arredondamento deve ser anulado, a utente deve ser ressarcida de modo a que o preço seja exactamente 877,30.)
Teresa: "Ah, se calhar prefiro um azul daqueles que estão na montra, a minha cabeleireira comprou um desses e acho que é bom. Os de 900 euros..."
Funcionário: "... mas esses são pior... Está bem, arranjo-lhe um dos azuis." (Isto configura claramente um contrato de adesão aos computadores azuis e a utente não foi informada previamente das condições gerais. Cóima.)
Teresa: "E vem logo pronto a escrever e com Internet?"
Funcionário: "Tem que comprar o Office, custa 250 euros..." (Mais uma venda agressiva e com preço arredondado.)
Teresa: "Então, não quero, vou comprar a outro lado."
Funcionário: "Está bem, eu instalo-lhe um office. E entregamos em casa". (Aqui a capacidade de negociação da utente trouxe-lhe dividendos. Mas nem todos são capazes de entender este mercado como a Teresa, que é licenciada e demonstra conhecimentos do sector acima da média. A Teresa sabia o que queria, estava informada e não se deixou enganar pelas práticas agressivas do funcionário da multinacional. Se não for o estado a domar estes malévolos empresários que só pensam no lucro, quem será?)