18.7.07

A câmara*

Os idosos de Cabeceiras de Basto desorientados no meio da festa socialista lisboeta são sintomáticos daquilo em que o poder local, de esquerda e de direita, transformou o povo deste país: os reformados, os que precisam do subsídio disto e daquilo, os que pediram a casa no bairro municipal, os que nunca estarão suficientemente agradecidos pelo emprego dos filhos e da nora na câmara, os que esperam pela vaga para os netos na creche... estão sempre disponíveis para fazerem mais um passeio «daqueles da câmara» que os levam a Fátima, à Nazaré e se for preciso a um qualquer acontecimento partidário.
Não queriam o estado social? Aí o têm na versão municipal. ###
Todas aquelas pessoas passam a vida a mostrar as declarações do IRS para terem direito a mais isto e ficarem isentas de mais aquilo. Calculo que vá agora grande tumulto em Cabeceiras de Basto por algum inábil ter deixado os jornalistas aproximarem-se de microfone na mão daquelas pessoas que só deviam ter agitado a bandeirinha. Contudo, se repararem bem, no meio do Altis eles repetiam que eram de Cabeceiras de Basto com uma invejável convicção acerca dessa pertença. Duvido que algum lisboeta afirmasse assim a sua condição, quase como quem mostra um salvo-conduto, caso se visse perdido no tempo e no espaço.
Mas de que serve ser de Cabeceiras de Basto no Altis? De nada. E igualmente me parece que de nada tem servido que a CML seja de direita ou de esquerda: mil e duzentos milhões de euros de dívida. Doze mil funcionários que se dividem em três centenas de departamentos e divisões. Um número incerto de empresas municipais não só porque algumas delas, como acontece com a EPUL, ainda criaram outras mas também porque empresa municipal criada jamais é extinta mesmo que já não tenha razão de existir. Por exemplo, quem trata dos esgotos de Lisboa: a EMARLIS ou a SIMTEJO? Ou será que Lisboa sustenta duas empresas municipais para o mesmo efeito? Será, será.
Se seguirmos o rasto do desmando autárquico alfacinha encontramos a direita e a esquerda unidas na concepção da CML como uma estrutura que se clona administrativamente, que gasta indefinidamente e cujos membros, sejam eles do partido vencedor ou das oposições, têm usado quer a CML quer as empresas municipais para colocar, em cargos de assessoria e administração, a clientela dos partidos e respectivos familiares. Em Lisboa é mais fácil criar uma gigantesca empresa municipal do que mexer na mais pequena das 53 juntas de freguesia da cidade. Pela simples razão de que nas empresas municipais haverá sempre um emprego para mais um e que ao tentar reformar o mais ínfimo serviço todos aqueles que gerem a CML temem perder postos e poder.
Realmente os lisboetas não vão em excursão animar as festas partidárias de Cabeceiras de Basto mas isso não os tem isentado do pagamento dum largo tributo ao caciquismo político.

*PÚBLICO, 17 de Julho