Nota prévia: encontra-se em curso um projecto de mudança do ensino superior em Portugal. Sem prejuízo de se poderem discutir algumas das soluções apontadas, o autor gostaria de exprimir a sua convicção de que uma mudança profunda é necessária, nesta área tão importante para o desenvolvimento do país. Em consequência, se deve ser louvado o espírito reformista, tal não significa que cada solução não possa ser escrutinada com cuidado. É à luz desse espírito que se comenta o artigo 106º do projecto de RJIES.
O artigo 106º da "Proposta de Lei do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior" vem colocar em cima da mesa, e muito justamente, a problemática dos conflitos de interesse.
O artigo 106º da "Proposta de Lei do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior" vem colocar em cima da mesa, e muito justamente, a problemática dos conflitos de interesse.
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É concedida particular importância à acumulação de funções em órgãos de governo ou gestão de outras entidades de ensino superior, por parte de indivualidades com lugares proeminentes nas instituições de ensino superior, público ou privado. A temática em causa é objecto dos pontos números 2 e 3 do referido artigo.
Remete-se, entretanto, para os estatutos, "as demais incompatibilidades e impedimentos dos titulares ou membros dos órgãos das instituições de ensino superior públicas" (no ponto número 4 do mesmo artigo).
Tal como já foi anteriormente discutido, as instituições de ensino superior têm uma responsabilidade que ultrapassa o próprio ensino, uma vez que as entidades ligadas a esta actividade desenvolvem, tipicamente, investigação, ou seja, assumem responsabilidade na génese de novos conhecimentos, e não apenas na transmissão de conhecimentos.
Por outro lado, as interacções envolvendo, por um lado, elementos das instituições de ensino superior e, por outro lado, a sociedade em geral ultrapassam, largamente, os limites das instituições de ensino superior, e com frequência, as fronteiras do próprio país.
Existem entre nós, inclusivamente, áreas de ensino superior nas quais todas as instituições se situam na esfera do Estado, como é o caso da Medicina. Neste último caso, a problemática dos conflitos de interesse pode envolver, não exactamente a direcção e gestão de outros centros académicos, mas antes entidades tais como a indústria farmacêutica e de dispositivos médicos.
Situação semelhante se poderá passar em múltiplas outras áreas: os conflitos de interesse poderão ter muito mais a ver com actividades que possam ter algo a lucrar com alterações na natureza do que é ensinado ou dos novos conhecimentos que são gerados, e não tanto com o facto de a mesma actividade ser desenvolvida em mais do que um local.
Por outras palavras, é importante assegurar a credibilidade do sistema de ensino superior, dotando-o de um normativo capaz de concorrer para assegurar a isenção com que são desempenhadas as funções em causa.
O novo quadro institucional será especialmente sensível a este tipo de conflitos de interesse, uma vez que passarão a integrar o Conselho Geral uma quantidade importante de personalidades não académicas. Ora, salvo melhor opinião, os conflitos de interesse tanto poderão envolver os académicos como os não académicos.
Neste contexto, poderia o referido artigo número 106 beneficiar de uma revisão em profundidade, consagrando os seguintes princípios:
- A atenção às interacções dos académicos com entidades não académicas com interesse na actividade académica, no ensino e/ou investigação.
- A atenção às actividades dos elementos não académicos do Conselho Geral, sendo que as respectivas áreas de actividade e interesses não deveriam, idealmente, poder beneficiar do que é ensinado ou do que é investigado.
- A atenção às posições financeiras, designadamente accionistas, de todas as entidades envolvidas.
- A atenção, em igual grau, às instituições "públicas" (estatais) e "privadas" (presume-se, não-estatais, de natureza privada, cooperativa, ou fundações), desde logo alterando o ponto número 4, no sentido de abranger todo o ensino superior, e não apenas o "público" (estatal).
Em suma, se a interacção entre Academia e Economia é desejável, ela poderá ser particularmente saudável se tal interacção entre as diversas entidades se processar num plano de colaboração inter-institucional de entidades independentes, e não tanto num plano de conexões de outros tipos.
José Pedro Lopes Nunes
É concedida particular importância à acumulação de funções em órgãos de governo ou gestão de outras entidades de ensino superior, por parte de indivualidades com lugares proeminentes nas instituições de ensino superior, público ou privado. A temática em causa é objecto dos pontos números 2 e 3 do referido artigo.
Remete-se, entretanto, para os estatutos, "as demais incompatibilidades e impedimentos dos titulares ou membros dos órgãos das instituições de ensino superior públicas" (no ponto número 4 do mesmo artigo).
Tal como já foi anteriormente discutido, as instituições de ensino superior têm uma responsabilidade que ultrapassa o próprio ensino, uma vez que as entidades ligadas a esta actividade desenvolvem, tipicamente, investigação, ou seja, assumem responsabilidade na génese de novos conhecimentos, e não apenas na transmissão de conhecimentos.
Por outro lado, as interacções envolvendo, por um lado, elementos das instituições de ensino superior e, por outro lado, a sociedade em geral ultrapassam, largamente, os limites das instituições de ensino superior, e com frequência, as fronteiras do próprio país.
Existem entre nós, inclusivamente, áreas de ensino superior nas quais todas as instituições se situam na esfera do Estado, como é o caso da Medicina. Neste último caso, a problemática dos conflitos de interesse pode envolver, não exactamente a direcção e gestão de outros centros académicos, mas antes entidades tais como a indústria farmacêutica e de dispositivos médicos.
Situação semelhante se poderá passar em múltiplas outras áreas: os conflitos de interesse poderão ter muito mais a ver com actividades que possam ter algo a lucrar com alterações na natureza do que é ensinado ou dos novos conhecimentos que são gerados, e não tanto com o facto de a mesma actividade ser desenvolvida em mais do que um local.
Por outras palavras, é importante assegurar a credibilidade do sistema de ensino superior, dotando-o de um normativo capaz de concorrer para assegurar a isenção com que são desempenhadas as funções em causa.
O novo quadro institucional será especialmente sensível a este tipo de conflitos de interesse, uma vez que passarão a integrar o Conselho Geral uma quantidade importante de personalidades não académicas. Ora, salvo melhor opinião, os conflitos de interesse tanto poderão envolver os académicos como os não académicos.
Neste contexto, poderia o referido artigo número 106 beneficiar de uma revisão em profundidade, consagrando os seguintes princípios:
- A atenção às interacções dos académicos com entidades não académicas com interesse na actividade académica, no ensino e/ou investigação.
- A atenção às actividades dos elementos não académicos do Conselho Geral, sendo que as respectivas áreas de actividade e interesses não deveriam, idealmente, poder beneficiar do que é ensinado ou do que é investigado.
- A atenção às posições financeiras, designadamente accionistas, de todas as entidades envolvidas.
- A atenção, em igual grau, às instituições "públicas" (estatais) e "privadas" (presume-se, não-estatais, de natureza privada, cooperativa, ou fundações), desde logo alterando o ponto número 4, no sentido de abranger todo o ensino superior, e não apenas o "público" (estatal).
Em suma, se a interacção entre Academia e Economia é desejável, ela poderá ser particularmente saudável se tal interacção entre as diversas entidades se processar num plano de colaboração inter-institucional de entidades independentes, e não tanto num plano de conexões de outros tipos.
José Pedro Lopes Nunes