14.9.07

Vamos às compras*

Por exemplo às Perfumarias Marionnaud. Não havia nada mais francês do que esta cadeia de perfumarias. Não eram apenas os perfumes a contribuir para isso. Desde a forma como as empregadas se apresentavam, as regalias excepcionais que usufruíam... tudo contribuía para que as Perfumarias Marionnaud fossem, a par dos croissants, um símbolo do charme francês. E o charme ou melhor dizendo o desejo dele é um estímulo a não menosprezar na hora de convencer alguém a pagar uma barbaridade por um líquido amarelado encerrado dentro dum frasquinho.
Desde que no passado sábado li a entrevista de Maria José Nogueira Pinto no semanário “Expresso” sobre o seu desígnio de “travar a proliferação das lojas chinesas” na Baixa de Lisboa que me interrogo sobre o destino de cadeias como as Perfumarias Marionnaud. É que as Perfumarias Marionnaud são lojas chinesas. Ou melhor esta cadeia de perfumarias é propriedade dum grupo chinês que graças a esta aquisição se terá tornado o maior distribuidor mundial de perfumes. Vamos ficar sem perfumarias na Baixa? Ou será que ser propriedade dum grupo chinês não é suficiente para se ser uma loja chinesa? Provavelmente não. Mas afinal o que é uma loja chinesa? Uma loja cujos funcionários têm traços asiáticos? Acreditava eu que desde que desapareceu o preto da Casa Africana que os funcionários não são o espelho étnico da casa. Ou será uma loja chinesa um local onde se vendem produtos feitos na China? Nesse caso muitas das lojas da Baixa, da Alta e de todo o país terão de ser deslocadas para a Chinatown almejada por Maria José Nogueira Pinto. Na verdade, loja chinesa na Baixa de Lisboa existe uma, e é conhecida pela qualidade do seu café de saco, coisa nada chinesa tanto quanto sei. ###
As declarações de Maria José Nogueira Pinto têm contudo outras implicações para lá da discriminação propriamente dita. Em primeiro lugar o que faz Maria José Nogueira Pinto na Câmara Municipal de Lisboa? Oficialmente vai chefiar, em part time, a “unidade de missão para a revitalização da Baixa-Chiado”. Na prática o que os lisboetas vêem é o presidente da CML a bloquear carros e uma pessoa que não foi eleita e que nem sequer se candidatou a perorar sobre o centro da cidade, propondo coisas tão extraordinárias quanto a criação duma Chinatown. Ou acaba aqui esta bizarra situação ou temos mais novela na CML.
Contudo as declarações de Maria José Nogueira Pinto sobre o que designa como “pequeno comércio” merecem também elas a maior atenção. Afinal o ranço que sobressai desses considerandos não é menor do que aquele que expressa quando teoriza sobre os comerciantes chineses: “deitar mão ao pequeno comércio” é a intenção de por Maria José Nogueira Pinto. Na verdade há anos que andamos a deitar a mão ao pequeno comércio e ao seu clone idoso, o comércio tradicional. Essa protecção tem sido feita à custa dos direitos dos consumidores, senhorios e investidores. Como tal não se tem revelado suficiente só resta dificultarem o mais possível que façamos compras onde queremos.
Por exemplo, quem se lembra das propostas da Associação dos Comerciantes do Porto quando confrontada com o facto de, nos últimos 15 anos, 20% das lojas portuenses terem fechado? A resposta foi óbvia: redução dos horários e encerramento ao domingo dos hipers e centros comerciais. Podia lá ser outra coisa?

*PUBLICO, 13 de Setembro de 2007