16.11.04

PARTIDO CHARNEIRA

No meio da algazarra provocada pelo congresso do PSD nas relações com o seu parceiro de coligação, passaram praticamente despercebidas umas declarações de Narana Coissoró que, a reflectirem o que vai na alma da direcção centrista, deveriam merecer melhor atenção.
Sumariamente, disse Narana que o CDS está muito bem como está, em coligação com o PSD, mas que, no futuro, não vê afastada a hipótese de fazer o mesmo com o PS, partido com quem tem menos afinidades, embora as encontre em muitos pontos concretos, nomeadamente, desde que Sócrates assumiu a liderança. Por outras palavras, se das eleições legislativas de 2006 o CDS sair em condições de dar a maioria absoluta a qualquer um dos grandes partidos do bloco central, nada garante que o faça com o PSD. Como é sabido, em condições de normalidade, bastam 4% ou 5% dos votos para que a maioria absoluta possa ficar confortavelmente estabelecida. E essa percentagem de votos dificilmente escapará ao CDS.
Isto significa, entre outras coisas, que o CDS de Coissoró deverá ser o «partido charneira» do sistema português, à semelhança do que foi durante décadas, na Alemanha, o FDP (Partido Liberal Alemão), que, ficando-se sempre pelos 7%, 8% de percentagem eleitoral, garantia governos de maioria absoluta, ora com o SPD, ora com a CDU/CSU. É celebre a mudança de governo ocorrida em 1982 pela queda do governo do SPD de Helmut Schmidt, provocada pela mudança de posição do FDP que passou da coligação governamental para uma aliança idêntica com o partido de Helmut Kohl. Essa alteração consagrou o pequeno FDP como o partido nuclear do sistema político alemão, capaz de fazer e desfazer maiorias parlamentares e governos federais.

Maquiavel, nos seus «Discorsi», escreveu que «são os interesses que cortam os laços de todas as coligações». Coissoró lembrou-o ao parceiro de coligação. E acrescentou que o CDS estará, no futuro, disposto a permanecer no poder com outra coligação, outro governo e outro parceiro.
Quem avaliar a política por valores e princípios arrisca-se a ter as mais desagradáveis desilusões. O seu reino é outro, o do poder. Esta regra, que já há muito pauta o comportamento das direcções do PS e do PSD, passou a ser, também, a preocupação central do CDS, de novo no poder ao fim de vinte anos de lá ter estado pela última vez. Seria conveniente que os analistas políticos não se esquecessem dela nas avaliações do momento presente e daquele que aí vem.