22.4.05

DA CLARA ILICITUDE DO APELO DE UMA ORGANIZAÇÃO CUJA INTENÇÃO DECLARADA É VIOLAR A LEI E TORNÁ-LA INAPLICÁVEL

Reagindo a esta minha posta, nas heresias/comentários, o TAF questionou:
«Onde é que está o apelo à violação da Lei?!»

Para mim, este é um problema circunscrito ao plano jurídico sem derivações valorativas.
Correndo o risco de ter de dizer evidências:
- Há uma lei, formal e materialmente legítima, que permite um certo comportamento aos cidadãos;
- Implicando um dever de execução por parte da Administração no sentido de esta dar cumprimento ao direito legalmente delineado e que se inscreveu na esfera jurídica dos particulares;
- Uma organização com um peso social intensamente relevante apregoa o não cumprimento da Lei por parte dos funcionários e agentes administrativos encarregues de a aplicar;
- Numa sociedade católica, como a espanhola, este apelo concreto reconduz-se à consideração de um dever geral de conduta em relação aos crentes (a imensa maioria);
- A organização que tudo fez para evitar a elaboração desta lei por parte dos órgãos do Estado espanhol, não o tendo conseguido, ensaia um esforço no sentido de impedir a sua aplicação;
- Este apelo público é, no mínimo, uma exigência à desobediência civil em matéria não-religiosa, i.e. distinta e distanciada das questões de culto e de fé;
- Estamos, portanto, numa sede fáctica onde a intervenção directa dos órgãos legislativos com competência e legitimidade para tal não pode ser contestada;
- Donde, o Vaticano, declarada e dolosamente, está a tentar impedir a aplicação de uma lei afastando indirectamente a precipitação dos direitos nela consignados;
- Usando para tal a sua influência social e tentando aproveitar-se desta para contrariar por via indirecta os propósitos do Estado de Direito.

DA OBJECÇÃO DE CONSCIÊNCIA COMO UM DIREITO COGITADO PELO INDIVÍDUO E CONCEPTUALMENTE AVESSO A MOVIMENTAÇÕES COLECTIVAS GIZADAS E PREMEDITADAS EXTERNAMENTE

- A objecção de consciência reconduz-se à esfera individual, é determinada na consciência de cada um;
- Não é aceitável que uma organização, ainda por cima com o peso social da igreja, faça apelos anti-legais e estes sejam considerados "objecção de consciência";
- Esse caso reconduz-se ao de uma organização que premeditadamente quer criar um movimento colectivo artificial que destrua o alcance aplicativo de uma Lei cujo conteúdo lhe desagrada;
- O que - repita-se - não é objecção de consciência porque é determinada de fora para dentro, i.e. externamente à consciência do indivíduo;
- O funcionário ou agente administrativo tem uma especial vinculação às determinações da ordem jurídica;
- O mesmo acontecendo com os agentes privados que desempenham funções públicas e que detêm privilégios de direito público;
- Em ambos os casos existe um dever reforçado de cumprimento das determinações da ordem jurídica, nomeadamente das de carácter legal;
- Entre nós, por exemplo, um funcionário público só tem o direito de recusar a aplicação de uma determinação normativa ou uma ordem administrativa se esta levar à prática de um crime;
- A objecção de consciência de um funcionário assente em planos meramente valorativos é muito frágil;
- Designadamente se esta integrar um plano externo (e estrangeiro), de massas e separado da consciência do protagonista (ainda que este venha a aceitar esses pressupostos);
- Nas relações especiais de poder, o dever de cumprimento da lei tem de ser de tal modo acrescido que a sua violação só poderá ser tratada como um comportamento ilegal tout court;
- Sobretudo se a vontade do infractor se determinou para além de si mesmo, i.e. mediante uma campanha externa, colectiva e dolosa - neste caso, o desvalor da ilegalidade é agravado pela ofensa presente aos princípios que ordenam o Estado de Direito;
- A questão aqui mais relevante é a da intervenção externa (e estrangeira) de uma organização que visa contrariar a possibilidade de aplicação de uma lei em matéria que lhe não diz directamente respeito - o que se afigura insuportável juridicamente.