14.4.05

Separação entre a Igreja e o Estado é um caso particular de um princípio geral

Os nossos ateus militantes têm razão quando defendem a separação entre a igreja e o estado. Mas temo que eles não tenham entendido totalmente o argumento liberal sobre esta matéria.

Por um lado, os indivíduos devem estar livres de qualquer tipo de coerção, o que implica entre outras coisas, a liberdade de expressão de ideias impopulares e o direito de cada um de não contribuir para a divulgação das ideias dos outros. Isto significa que a liberdade de expressão é indissociável da propriedade privada dos meios de divulgação de ideias. A partir do momento em que a propriedade dos meios de divulgação de ideias é pública, determinadas pessoas são obrigadas a contribuir via impostos para a divulgação de ideias contrárias às suas.

Por outro lado, quem admitir que o estado deve servir de instrumento para a divulgação das ideias da maioria, uma ideia iliberal, então tem que admitir que o estado pode servir de instrumento para a divulgação das ideias religiosas da maioria. É que as ideias religiosas não têm nada de especial. Podem ser tão supersticiosos como qualquer ideia filosófica ou como qualquer ideia sobre a história ou mesmo como qualquer lei da física. Na verdade, o carácter das ideias está ele próprio sujeito a um debate de duração ilimitada. Não há forma de saber com absoluta certeza se uma determinada ideia está correcta ou incorrecta. Todas as ideias são incertas. Não existem verdades oficiais nem selos de garantia.

O estado é visto pelos membros do Diário Ateísta como o promotor benevolente do progresso e do esclarecimento contra a superstição religiosa. Os crucifixos são uma terrível ameaça à liberdade individual, mas os retratos de presidentes, a lei do véu e as restrições à liberdade política dos sacerdotes da Igreja Católica são medidas vistas com simpatia.

Ora, o estado não tem que se meter nas opções religiosas de cada um. O direito à liberdade é também o direito ao erro, neste caso, é também o direito à superstição e à auto-ilusão. E de qualquer das formas, como todo o conhecimento é incerto, a ideia de que superstição religiosa é má e de que a ciência iluminada pela razão é boa não passa de uma conjectura. A própria ideia de que o estado é o melhor instrumento para a promoção do conhecimento iluminado pela razão é mais uma conjectura por demonstrar.

A questão religiosa é apenas uma parte do problema. A política, a filosofia, as artes, a ciência e a história também estão sujeitos a opções individuais e à incerteza. Todo o conhecimento está contaminado por inclinações pessoais. E todo o conhecimento é conjectural e não deve ser imposto pela força do estado por uma parte da sociedade à outra parte. Se uma parte da sociedade tem um tipo de conjecturas e a outra parte tem outro então a solução é cada um viver a sua vida de acordo com as suas conjecturas. O que implica que o estado não se deve meter na educação e que cada um deve educar-se a si e aos seus filhos de acordo com as suas próprias ideias.

Um mercado livre das ideias, em que a propagação de ideias depende apenas dos esforços dos seus promotores e da adesão livre de cada um é a melhor garantia da liberdade individual e do bom funcionamento da sociedade. Num mercado livre das ideias, só as ideias meritórias capazes de promover o bem estar individual e o bom funcionamento das instituições poderão sobreviver. Se o mercado das ideias não for livre, isto é, se o estado puder impor determinadas ideias através do sistema de ensino, algumas ideias prejudiciais à sobrevivência e ao bom funcionamento da sociedade poderão sobreviver por mera vontade política. Por outro lado, num mercado livre das ideias, ideias meritórias defendidas inicialmente por uma minoria poderão conquistar um apoio maioritário, o que não é possível numa democracia em que a maioria tenha a capacidade de impor através do sistema de ensino as suas ideias às minorias.