23.6.05

Nessa altura fomentavam a inovação

Jorge Sampaio deve ter uma enorme nostalgia do passado e de como as coisas nessa altura eram mais fáceis de implementar pelo patrão-Estado. Por exemplo, se o Decreto-Lei nº 132-A/75 de 14 de Março ainda estivesse em vigor, teríamos por certo a banca mais inovadora do mundo.

Vale a pena ler os considerandos daquele decreto-lei, autêntica relíquia de um passado recente. Abaixo se transcrevem fielmente, incluindo erros ortográficos:

Considerando a necessidade de concretizar uma política económica anti-monopolista que sirva as classes trabalhadoras e as camadas mais desfavorecidas da população portuguesa, no cumprimento do programa do Movimento das Forças Armadas;
Considerando que o sistema bancário, na sua função privada, se tem caracterizado como um elemento ao serviço dos grandes grupos monopolistas, em detrimento da mobilização da poupança e da canalização do investimento em direcção à satisfação das reais necessidades da população portuguesa e ao apoio às pequenas e médias empresas;
Considerando que o sistema bancário constitui a alavanca fundamental de comando da economia, e que é por meio dela que se pode dinamizar a actividade económica, em especial a criação de novos postos de trabalho;
Considerando que os recentes acontecimentos de 11 de Março vieram pôr em evidência os perigos que para os superiores interesses da Revolução existem se não forem tomadas medidas imediatas no campo do
contrôle efectivo do poder económico;
Considerando a necessidade de tais medidas terem em atenção a realidade nacional e a capacidade demonstrada pelos trabalhadores da banca na fiscalização e
contrôle do respectivo sector de actividade;
Considerando, finalmente, a necessidade de salvaguardar os interesses legítimos dos depositantes;
Nestes termos:
Usando os poderes conferidos pelo artigo 6º da Lei constitucional nº 5/75, de 14 de Março, o Conselho da Revolução decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1º - São nacionalizadas todas as instituições de crédito com sede no continente e ilhas adjacentes (...)

O Decreto-Lei foi promulgado pelo então Presidente da República Costa Gomes. Tem interesse transcrever ainda o artigo 6º do mesmo diploma, bem revelador da institucionalização desde logo do "centralismo democrático":

Nº 1 ? As comissões administrativas terão todos os poderes que, pela lei ou pelos estatutos das respectivas instituições de crédito, pertenciam aos conselhos de administração ou de gerência, com excepção:
a) Da faculdade de admissão, promoção, transferência, demissão ou alteração de remunerações ou quaisquer outras regalias dos trabalhadores;
b) Da capacidade para a prática de actos que não estejam estritamente relacionados com as necessidades de gestão corrente das respectivas instituições de crédito

Nº 2 ? A prática dos actos mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior dependerá, em cada caso, de despacho de autorização do Ministro das Finanças.

Sampaio fez as suas declarações intervencionistas sobre a banca na Unicer (antiga CUFP) que, para quem não saiba, também fora nacionalizada em 1975, juntamente com outras empresas do sector cervejeiro. Vale a pena ler também os considerandos do Decreto-Lei nº 474/75 de 30 de Agosto, mais sintéticos e em linguagem mais burilada, fruto talvez da redacção de João Cravinho:

Considerando a necessidade de prosseguir na via de uma política económica posta ao serviço das classes trabalhadoras e das camadas mais desfavorecidas da população portuguesa, em cumprimento do programa do Movimento das Forças Armadas;
Considerando que a indústria cervejeira sempre constituiu um sector altamente lucrativo, sob o domínio de um grupo de pressão político-económico que o explorou em regime de monopólio de facto até recente data;
Considerando a desordenada tendência expansionista do sector ultimamente verificada, donde resulta a necessidade de coordenar a utilização dos vários estabelecimentos fabris, de modo a conseguir desde já o melhor aproveitamento das respectivas capacidades;
Considerando a necessidade de conjugar a política cervejeira com a vinícola no quadro de uma economia planificada de transição para o socialismo;
Considerando, finalmente, que o sector cervejeiro constitui uma importante fonte de acumulação, cujos recursos devem a prazo ser postos ao serviço do interesse de todos os trabalhadores portugueses;
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo artigo 3º, nº 1, alínea 3), da Lei nº 6/75, de 26 de Março, o governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1º - São declaradas nacionalizadas, a partir da data da publicação deste diploma, as sociedades a seguir indicadas: (...)

O diploma foi igualmente promulgado por Costa Gomes, tendo sido visto e aprovado em Conselho de Ministros por Vasco Gonçalves, Mário Murteira, José Joaquim Fragoso e Fernando Quitério de Brito.