8.8.04

A economia segundo o Crítico II

1. O Crítico diz que a Terra não é uma economia fechada porque recebe energia do Sol. É uma posição válida e sustentável. Depende da definição de economia fechada. Para algumas definições de economia fechada, até eu defendo essa posição.

2. Depois o Crítico defende que, como a Terra recebe energia do exterior, o crescimento económico é praticamente inevitável. É uma ideia que faz algum sentido.

3. Só que, há um ano, o Crítico defendia que o capitalismo estava condenado ao colapso por causa do inevitável decréscimo da taxa de lucro. Será que o Crítico mudou de opinião? Será que o Sol pode evitar o decréscimo da taxa de lucro e salvar capitalismo?


4. Com esta nova teoria económica, o crítico passou a defender uma tese que é contrária à economia-pescadinha-de-rabo-na-boca do seu post anterior. Afinal existe uma causa externa ao sistema que é responsável pelo crescimento económico.

5. A Economia Mundial não precisa de défices para crescer. Só precisa de Sol.

6. Como Portugal tem tanto sol, não precisa de défices para nada.

7. O Crítico tenta escapar à questão do défice mundial recorrendo ao Sol. Mas a verdade é que a energia solar não costuma entrar para as contas do défice e quando os economistas falam em défices estão a falar apenas da riqueza não solar. Nas contas do défice externo português, ninguém entra com o valor da energia solar. Ou seja, se partimos do princípio que a economia mundial é uma economia aberta por causa da entrada de energia solar, então temos que redefinir ?défice? e não podemos usar o conceito de défice convencional. Teremos então dois défices, o convencional e o solar.

8. A questão que o Crítico tem que responder é a seguinte: se a economia mundial cresce só com défice solar, porque é que a economia portuguesa precisa de défice solar e défice convencional?

9. Ou, se o Crítico preferir, porque é que a economia do Sistema Solar continua a crescer? Será que a economia do Sistema Solar é uma economia aberta?

10. Confesso que me perdi quando o Crítico começou a falar da massa monetária em circulação. Para mim o dinheiro é apenas um meio de troca. Pode ser mais, ou menos funcional, pode ser mais, ou menos estável, mas é apenas uma má representação de parte da verdadeira riqueza que é aquela que existe sob a forma de bens materiais e conhecimento. Discussões sobre a massa monetária confundem muito mais do que esclarecem.


11. Ao mesmo tempo que defende que a Economia Mundial é um sistema aberto, o Crítico defende que a inflação se explica pela segunda lei da termodinâmica. A massa monetária seria assim uma espécie entropia económica. O problema é que a segunda lei da termodinâmica diz que a entropia tende aumentar em sistemas fechados. Segundo o crítico, a Economia Mundial é um sistema aberto. Ora, num sistema aberto, a entropia pode diminuir. Se a economia mundial é aberta, porque é que a massa monetária não diminui?

12. O Crítico já tinha anteriormente dito que num sistema liberal ?Teríamos a redução global da taxa de lucro e fim do capital, a entropia máxima para o qual qualquer sistema termodinâmico tende!?. Mas um sistema aberto não tende necessariamente para a entropia. O capitalismo está salvo.

13. Estas referências à segunda lei da termodinâmica são a marca de água de qualquer pseudociência moderna. Ainda vamos ver o Crítico a transgredir as fronteiras em direcção a uma hermenêutica transformativa da gravidade quântica.

14. E o mais interessante é que nem precisamos da segunda lei da termodinâmica para explicar a inflação. Actualmente a massa monetária é controlada pelos bancos centrais. Por favor, não atribua à segunda lei da termodinâmica aquilo que pode ser atribuído ao Sr Greenspan.

15. O Crítico defende ainda que em termos de conhecimento e de inovação a Terra não é um sistema fechado. Eu também já tinha desconfiado da origem extraterrestre de algumas inovações.

16. O Crítico diz, e bem, que uma coisa é o défice dos estados outra é o défice mundial, admitindo implicitamente que a economia mundial não pode pedir empréstimos a Marte, mas o estado pode pedir empréstimos aos privados. Mas o que o Crítico não percebeu é que esse é um argumento contra a sua economia-pescadinha-de-rabo-na-boca. É que se o estado estimula a economia quando os seus gastos são superiores às despesas, o mesmo estado inibe essa mesma economia quando é forçado a pedir um empréstimo aos privados para cobrir o défice. O estado limita-se a transferir recursos de uns privados para outros. Se o sistema for considerado como um todo, o efeito é nulo.

17. O Crítico parece sugerir que o défice do estado pode ser coberto com recursos futuros. Não pode. O défice é a diferença entre o que se gasta no presente e o que se ganha no presente. O estado gasta recursos reais e esses recursos reais se forem gastos pelo estado não poderão ser gastos pelos privados.


18. Apesar de o Sol ser importante para economia Mundial, a verdade é que a energia solar não explica completamente o crescimento da economia mundial. Vénus recebe muito mais energia solar que a Terra e no entanto a economia venusiana estagnou e hoje em dia ninguém dá nada por ela.

19. A energia solar recebida por ano pela Terra é mais ou menos igual à energia que a Terra recebia há 100 anos. E no entanto a riqueza per capita produzida pela economia mundial é muito maior que a riqueza per capita que a economia mundial produzia há 100 anos.

20. A Terra tem que ter alguma coisa que Vénus não tem e tem que ter alguma coisa que não tinha há 100 anos.

21. Mas o quê?

PS ? Sejamos rigorosos. A Terra está, mais aquecimento global, menos aquecimento global, em equilíbrio térmico. A energia recebida do Sol pela Terra tem que ser mais ou menos igual à energia emitida pela Terra para o espaço. A qualidade da energia recebida é que é muito superior à qualidade da energia emitida.