20.12.04

Nação, País ou Estado?

Desenvolvendo este pensamento:

A Nação designa um povo, uma comunidade ligada por laços culturais, religiosos, de tradição e que partilha interesses, necessidades e aspirações comuns. A língua ou a raça podem constituir outros laços identitários, não sendo porém fundamentais. Sendo essencialmente uma cultura, a Nação pode estar geograficamente dispersa e não implica a existência de um País, conceito que designa sobretudo um território. Este, tem geralmente uma instituição - o Estado - a administrá-lo, podendo incluir uma ou várias Nações, como é o caso concreto de Espanha. Se o Estado é algo de muito "materialista" e necessita de um território para se justificar, a Nação subsiste sem País ou sem Estado. Veja-se o caso da Nação judaica, cuja existência antecede de vários séculos a formação do Estado de Israel.

Portugal instituiu-se como um Estado - ou um Reino, se assim o entendermos - por pura ambição autonomista e de laivos matricidas de D. Afonso Henriques, sem que existisse antes uma Nação a dar-lhe consistência. Se alguns traços identitários existiam na altura, eles abrangiam toda a comunidade galaico-portucalense e não deveria haver especificidades de maior face a Leão ou às Astúrias. O País que se foi formando com o alargamento do território para Sul, foi no início bem mais heterogéneo, integradas que foram populações de cultura islâmica, os então designados moçárabes.

Toda a nossa expansão marítima posterior, todas as nossas fases de maior fulgor estiveram sempre ancoradas no Estado, às vezes voluntarioso mas nunca a saber definir uma estratégia, sempre ávido e propenso à delapidação, jamais disposto a capitalizar os recursos abundantes que esporadicamente conseguiu reunir. Nunca alguém singrou fora da sua esfera, nem alguma vez geramos elites que dele se conseguissem autonomizar. Se necessidades e aspirações comuns temos ou tivemos enquanto povo, delegamos sempre a sua formulação no Estado que pontualmente estabelece alguns "desígnios" tão prosaicos quão trágicos ou espalhafatosos, tipo Convento de Mafra, a guerra colonial, a Expo 98 ou o Euro 2004 e dos quais saímos invariavelmente mais pobres.

Em fases de maior penúria, acontece a emigração e o regresso, quando ocorre, é mais forçado - por convulsões políticas como a descolonização - que voluntário. Não fosse aquela, e muitos de nós considerar-nos-iamos hoje mais angolanos ou moçambicanos que portugueses. Curiosamente, livres do espartilho do Estado, vamo-nos destacando na diáspora, seja como simples operários, investigadores ou empreendedores - a maior potência do hemisfério sul, o Brasil, é uma criação nossa, em miscigenação com outros povos.

É aliás única esta nossa capacidade de miscigenação, de nos integrarmos em outras Nações, explicável talvez pela debilidade da nossa cultura. Mesmo a língua, quiçá o nosso maior traço identitário e considerado por alguns como a nossa verdadeira Pátria, não subsiste para além da 2ª geração de emigrantes. A Nação de facto não existe, apenas o Estado. Mas esta é uma instituição que, por todo o lado apresenta claros sinais de caducidade, incapaz de acompanhar a dinâmica da globalização. Quando o Estado luso se desagregar por completo, tenderemos a abrigar-nos debaixo do Estado espanhol, o único que aceitaria acolher-nos. A questão é saber se, na altura, ainda existe Estado espanhol...