No meio da algazarra própria de eleições legislativas antecipadas, ninguém se lembrou ainda de perguntar de quem será a responsabilidade de não haver uma maioria estável no parlamento depois desse acto eleitoral. Todos sabemos, a história da III República demonstra-o abundantemente, que nenhum governo que a não tenha aguenta uma legislatura completa, assim como não poderá desenvolver o seu programa político, deixando para melhor momento a maçada de proceder às sempre adiadas reformas estruturais.
Do governo cessante, que pretendia cumprir a legislatura até ao fim, não será seguramente. Da oposição, apanhada aparentemente desprevenida, também não. Ao Presidente da República, politicamente irresponsável segundo o sistema semipresidencialista consagrado na Constituição, não é possível assacar quaisquer responsabilidades. Ou seja: cai um governo com maioria parlamentar e ninguém responderá por isso, no caso das coisas virem a correr mal. Este sistema de governo, consagrado nos idos de 1975, teve por finalidade manter a divisão de poder entre a Presidência e o Governo, confiados, respectivamente, às Forças Armadas e aos partidos. Naquela altura, as exigências assim o impuseram. Hoje em dia, não faz qualquer sentido mantê-lo.
Como aqui escrevemos há uns dias, a decisão de Jorge Sampaio veio evidenciar o fim da III República, consagrando a instabilidade governativa, a indefinição de quem manda, de facto, no governo, e a irresponsabilidade política geral. Continuar assim, não procedendo a uma reforma constitucional de fundo que, de uma vez por todas, defina o nosso sistema de governo como parlamentar ou presidencial, só contribuirá para o agravamento da degradação política nacional em que vivemos desde do fim do cavaquismo.