10.12.04

REFORMAS E CONTRATO DE LEGISLATURA

Uma sociedade livre e adulta deve pautar-se por critérios de elevada exigência para com os seus responsáveis políticos, sejam governo ou oposição.
Em períodos eleitorais, mais do que aturar as ladaínhas tradicionais do «descalabro» governativo, é de exigir aos putativos vencedores, àqueles que estejam em condições objectivas de vir a ser governo, que informem objectivamente o país sobre o que querem fazer, nomeadamente que reformas sectoriais pretendem realizar, no caso de alcançarem o poder.
Refira-se, a este propósito, que não devem subsistir os argumentos para o incumprimento das promessas eleitorais, como a «gravidade da situação do país» só «descoberta» depois das eleições, invariavelmente utilizados à exaustão sempre que se processa uma substituição do partido do governo. Ninguém verdadeiramente acredita que a classe política desconheça o estado real do país, ou que, uma vez no poder, seja surpreendida por situações catastróficas que não poderia anteriormente calcular.
Aceitanto o pressuposto de que o exercício do governo é, numa sociedade livre, um contrato livremente celebrado entre os partidos e a sociedade civil, devem existir nesse contrato claúsulas de rescisão, susceptíveis de serem accionadas na eventualidade do seu incumprimento faltoso, objectivamente imputável ao governo e aos partidos que o sustentam. O mesmo é dizer que se torna necessário criar mecanismos de controlo democrático da actividade política do governo, para além da censura eleitoral.
Nessa medida, e já que vivemos em semipresidencialismo, seria de aproveitar os poderes de dissolução da Assembleia da República e de demissão do Governo, constitucionalmente fundados numa fórmula equívoca (decorrente do momento revolucionário em que foi enunciada) de perigo do «normal funcionamento das instituições», para uma outra relativa ao grave incumprimento das propostas e reformas eleitorais prometidas para o contrato de legislatura em causa.
Esse mecanismo, poderia ser accionado por uma petição de um significativo número de eleitores ao Presidente da República, controlado pelo Conselho de Estado e pelo Tribunal Constitucional, e teria de ser rigorosamente fundamentado em grave e faltosa divergência entre os compromissos assumidos e a obra realizada.
De todo o modo, por aqui ou por outro qualquer meio, enquanto não se entender que a responsabilidade política deve ser objecto de um controlo democrático permanente, continuaremos sem saber no que votamos.