3.1.05

ANO NOVO, VIDA NOVA

Só por uma incontrolável pulsão optimista, poderemos ser levados a acreditar que o ano que há poucas horas acabou de estrear poderá fazer de Portugal um país diferente do que há muitos anos existe. Menos ainda, quando essa esperança se encontra fundada num ciclo de eleições em catadupa, aguardando que delas possa resultar alguma coisa que nos dê ânimo e um país melhor.
Os indícios, de resto, estão já à vista de todos. Para as eleições legislativas de Fevereiro, por exemplo, repete-se a «dança das cadeiras» entre os candidatos dos partidos do regime, ficando tudo na mesma, com ligeiras alterações de quem se candidata por onde. Na verdade, o tom patrimonialista com que os directórios partidários tratam o país e o Estado, levam-os ao despudor de candidatarem autarcas e viúvas por círculos eleitorais de pura conveniência, sem qualquer ligação real aos eleitorados e às comunidades, como se o poder que irão exercer e o aparelho que o suporta fossem coisas suas, propriedade privada de uma elite dirigente que verdadeiramente não carece de prestar contas a ninguém. E, de facto, assim é.
É preciso perceber que, com algumas excepções circunstanciais e efémeras, Portugal vive, desde o chamado «liberalismo» século XIX, num rotativismo político em que a classe dirigente se reparte por duas grandes forças do «centro», uma tendencialmente situada mais à esquerda e outra à direita. O sistema eleitoral, que verdadeiramente só se universalizou e democratizou com a III República, perpétua intencionalmente a situação, e transformou-se na «vaca sagrada» do regime, na qual não se pode bulir para não ferir os interesses de quem governa.
Por isso, qualquer verdadeira alteração do sistema, nomeadamente, aproximando-o dos cidadãos e reforçando o controlo democrático dos poderes públicos, terá fatalmente de passar por uma profundíssima reforma do sistema eleitoral, que retire aos directórios partidários o férreo poder que há muito exercem sobre a sociedade portuguesa. Até lá, é absolutamente indiferente saber que partido nos governa. No fim de contas, mande o PS ou o PSD, chame-se Sócrates, Santana ou Barroso o primeiro-ministro, quem manda e mandará em Portugal é e será sempre a mesma gente, obedecendo a uma lógica e a interesses que são muito mais dos grupos a que pertencem, do que dos cidadãos que os sustentam e que dizem representar.