28.1.05

FREITAS DO AMARAL.

Este artigo de Freitas do Amaral, publicado na revista VISÃO, motivou um burburinho e algumas reacções político-partidárias de reprovação que, bem vistas as coisas, não se justificam.

Vamos por partes: o que é que Freitas do Amaral diz, nesse seu texto? Nada de especial; nada de inovador ou, sequer, muito polémico.

Na realidade, em primeiro lugar, apela ao voto, com um tipo de argumento que, sinceramente, já não me toca pessoalmente: "A abstenção, o voto em branco ou o voto nulo são renúncias à cidadania. Quem não fizer agora uma escolha política, demite-se de contribuir para a orientação geral da vida colectiva", diz o Professsor.
Ora, julgo que meter no mesmo saco o voto em branco, o voto nulo e a abstenção não é nada rigoroso; penso também que o tom recriminatório - sobretudo, pensando na abstenção e no voto em branco - com que Freitas do Amaral se refere a quem "não fizer agora uma escolha política", é injustificado, no limite nada democrático e soa a chavão civicamente correcto!
Porque é que não hei-de ser livre (consciente e racionalmente livre) de "não contribuir para a orientação geral da vida colectiva"? Pode ser, antes de mais, um direito e uma opção de vontade pessoal! É tão democrático como votar!

Seguidamente e depois de apelar ao voto, Freitas do Amaral faz campanha a favor do PS, de José Sócrates, contra o PSD, apelando, mesmo, à maioria absoluta do "partido rosa", nas próximas eleições legislativas. De permeio, o Professor ainda tece algumas considerações sobre "votar com o coração ou com a razão": "(...) ou se vota com o coração ou se vota com a cabeça.(...) Mas só votando com a cabeça, num dos dois maiores partidos (PS ou PSD), se estará a contribuir directamente para escolher o próximo governo e o próximo primeiro-ministro: o que proporcionará o prazer de participar na principal decisão colectiva". - Novamente, a sobrevalorização do prazer (?) de se "participar na principal decisão colectiva", parece-me absolutamente redutora, correspondendo a uma justificação (novamente) cívico-politicamente correcta, ...e, sobretudo, tão tocante e motivadora como aqueles antigos anúncios em campanhas do passado dizendo-nos que "votar é um dever cívico" (lembram-se?).

Freitas do Amaral não diz nada que já muitos, de vários quadrantes político-partidários (até mesmo do PSD, como JPP - tão brilhante, como abrupto) já não tivessem dito, antes, explícita ou implicitamente.

O espanto e o choque vem não daquilo que Freitas do Amaral disse, mas sim por ter sido ele próprio a dizê-lo. O fundador do CDS, o seu primeiro Presidente, o candidato presidencial da direita contra Mário Soares, vem agora apelar ao voto no PS!

Só que o Professor nunca foi de direita, sempre se "centrou" nessa abstracção sem traços definidos chamada, precisamente, centro! Só que em Portugal, esse centro era (é?) ainda mais equívoco do que noutros países que também o (tiveram) têm: aqui, o centro sempre teve o coração á esquerda, sempre olhou para a esquerda, pois à sua direita, geneticamente, nada existia (como, talvez, nada exista ainda!). Essa é uma das particularidades do nosso sistema, da nossa 3ª República: temos um espectro político-partidário desequilibrado, manco, dadas as vicissitudes do PREC.
De facto, seria impossível a quem viveu o "25 de Abril" (como Freitas do Amaral viveu!) não ser materialmente de esquerda. Não prolongar o mito geracional dos anos 60; não deixar de, com o coração, gostar esteticamente da ilusão de rebeldia e de revolução, sugerida pelas t-shirts com a cara de Che estampada; não deixar de acreditar na justiça social, na luta dos oprimidos contra os fortes, nos direitos das mulheres, dos homossexuais, até mesmo nas virtudes do multiculturalismo.... até nem tanto pelas causas em si, mas, sobretudo, pelo que elas representam enquanto ícons de resgates de lembranças e de ilusões (de juventude) perdidas!
Talvez o caso do Professor Freitas do Amaral seja mesmo um caso de reencontro com o passado, com o seu passado; agora, com o à-vontade (indiferença) senatorial de quem já não tem a obrigação de representar papeis...a não ser, talvez, o de Presidente da República, de uma República que sociologicamente sempre foi aquilo que Freitas do Amaral sabe que é: genuina e culturalmente anti-liberal, colectivista, entendendo a esquerda como uma espécie de "imperativo moral" ....mas tudo moderada e consensualmente!

Por isso, o Professor tem toda a razão: ele nunca mudou....