14.1.05

EU, ANALFABETO, ME CONFESSO

CENÁRIO: Repartição de Finanças de uma pequena cidade do centro do país.
ASSUNTO: Pedido de informação sobre processo de actualização extraordinária de renda de um estabelecimento comercial, entrado há mais de um ano na referida repartição, com a visita feita ao local pela Comissão de Avaliação há mais de dois meses.
RESPOSTA DO FUNCIONÁRIO DO BALCÃO: «Não sei de nada!»
RESPOSTA DO MESMO FUNCIONÁRIO PERANTE A INSISTÊNCIA DO PETICIONÁRIO: «Fale dom o Chefe».
RESPOSTA DO CHEFE: «O assunto não está tratado porque não tenho tempo».
PERGUNTA DO PETICIONÁRIO: «E quando é que terá tempo?».
RESPOSTA DO CHEFE: «Não sei».
PETICIONÁRIO: «Traga-me, então, o Livro de Reclamações».
FUNCIONÁRIO PARA O CHEFE: «Não sei onde está o Livro».
PETICIONÁRIO: «Então, procure-o».
Ao fim de mais ou menos trinta minutos, o Livro lá apareceu, nas mãos de um funcionário mal encarado. A reclamação foi lavrada com a consciência de que será perfeitamente inútil e não terá sequer resposta. Acrescente-se que os resultados da dita avaliação são já do conhecimento público, tendo sido o interessado «informado» dos mesmos no café central da terra, por um conhecido, que os ouvira a terceiros.
Este diálogo, rigorosamente verdadeiro, fez-me lembrar uma conversa ocorrida ontem com um amigo, pessoa ligada à gestão pública, que me garantia serem os portugueses gente inculta e ignorante, que não sabia exercer os seus direitos cívicos perante a administração do Estado, razão pela qual as «coisas» nem sempre funcionavam como deve ser.
Pela minha parte, analfabeto que sou, confesso que fiquei sem argumentos perante a sacrificada demonstração de serviço público do Chefe que me saiu em sorte. Que fazer, para além da reclamação lavrada, mísero papel em quadriplicado, à qual ninguém dará atenção ou seguimento? Como reagir perante a prepotência e discricionaridade do Estado, dos seus serventuários e da forma como eles exercem o seu imenso poder?
A resposta, no Portugal moderno em que vivemos, é simples: nada!