21.1.05

MENOS HIPOCRISIA, POR FAVOR

O debate de ontem vai ficar marcado pela questão do direito-a-falar-do-direito-à-vida, independentemente do resto que se tenha passado.
Como alguém que concebe o liberalismo muito para além das práticas do free trade, as opções sexuais de cada um não me importam absolutamente nada. Desdenho os puritanismos cuja pretensão é eleger e avaliar os comportamentos privados dos outros.

Deste modo, dou tanta relevância ao facto de um cidadão ser homossexual como a uma estranha predilecção em comer caracóis (misteriosa inclinação que nunca consegui entender).

Mas os comentários oriundos do espaço dito de direita parecem-me repugnantes na sua hipocrisia. Não sei se é apenas por causa da iminência das eleições que se dá esta febre de aggiornamento clubístico, mas vejo os resultados e não gosto nada desta mascarada.

Porque o que está em causa é uma impostura política.
Não se pode encher a boca com a "família tradicional e normal" e ser-se precisamente o contrário.
Não é leal apregoar os valores da tradição católica mais ortodoxa e viver a vida numa mentira.
Não é lícito ter um discurso público moralista que acusa e julga impiedosamente os outros, não seguir privadamente a sua própria doutrina e presumir-se acima de qualquer veredicto.

Este tipo de fingimento é cobarde e repulsivo. Seria como apanhar um ministro das finanças que brada contra a evasão fiscal a fugir aos impostos; ou descobrir que uma líder de um movimento dito pró-vida se deslocou a Badajoz para interromper a sua gravidez.

Cada vez mais é relevante a consonância entre o que um político diz e aquilo que é. É isso também que Paulo Portas tem de assumir de uma vez por todas - como cidadão, faça o que quiser; como político, tente conjugar o seu discurso de Catão moral dos nossos dias com a sua existência pessoal. De uma vez por todas seria conveniente que se assumissem ou se explicassem as múltiplas histórias que garantem existir uma contradição essencial entre o político e as suas opções privadas.

Este episódio ilustra, também, o atoleiro em que a direita portuguesa se afunda cada vez mais. Os tiffosi do PSD já demonstraram que votarão cegamente no seu partido nem que o candidato seja, por hipótese absurda, o "macaco Simão".
Os fãs do CDS parecem ter escolhido para máxima aquele conhecido dito a propósito de Frei Tomás: "... olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz".