Meu Caro,
A hipocrisia é, como sabes, um valor em alta na política. É-o hoje, foi-o no passado e não deixará de o ser no futuro. Maquiavel, que percebia um bocado destas coisas, recomendava-a ao Príncipe e sugeria-lhe até a simulação no caso de ela contribuir para a preservação do poder.
Do ponto de vista liberal, sem querer dogmatizar, parece-me que um político deve ser julgado pelo que faz e não por eventuais divergencias entre o que é na vida privada, o que diz que vai fazer na vida pública e o que efectivamente fez ou faz o exercício do poder. A relação que se estabelece entre a sociedade civil e a sociedade política diz somente respeito aos actos desta última em relação à primeira. Ora, que eu saiba, as amizades, paixões e caprichos de cada um, político ou simples cidadão, não devem ser do interesse de mais ninguém a não ser do próprio, porque não saem da sua esfera pessoal. Por isso, um político deve ter direito absoluto à reserva da vida privada, mesmo até à simulação dos aspectos de carácter que ele entenda que o podem prejudicar na vida pública. Por outro lado, julgar os políticos em função do suposto carácter e da sua natural bondade tem dado na História péssimos resultados. Compare-se, por exemplo, o mau feitio do Churchill com a doçura do Chamberlain. Foi à conta disso que só tarde e a más horas os ingleses lhe confiaram o poder.
Mais grave, em minha opinião, é a simulação do carácter político. Como, por exemplo, um político da direita convencional fazer-se passar por líder de um putativo partido liberal, quando, de facto, nunca foi liberal, nunca o será e, se calhar, nem sabe o que isso possa ser.