4.1.05

Normalidades sistémicas

Meu Caro CAA e, começando pelo fim, há muito que deixei de me indignar. Ou procuro pelo menos não ser contagiado por esse estado de alma tão apreciado e já com estatuto de direito, que apenas serve para disfarçar as nossas incapacidades a vários níveis. Tu sim, estarás a padecer de alguma indignação retardada e aparentas desconhecer a lógica do malfadado sistema que nos governa.

Na óptica deste, considero perfeitamente normal e previsível a eventual integração de Pôncio Monteiro numa lista de candidatos. Desta personagem, apenas conheço as suas qualidades de "entertainer" televisivo e a saborosa mordacidade dos seus comentários, a redundarem quase sempre na indignação apoplética de um dos seus parceiros que levava muito a sério a discussão sobre futebóis - lembrar-te-ás por certo desta figurinha, representante de uma agremiação de um bairro lisboeta, parece que actual edil e um entusiasta defensor da tese dos 7 milhões, logo, mestre em estatística. Admito que Pôncio Monteiro tenha outras qualidades, mas estou certo que não foram estas que motivaram o convite para integrar a lista ao Parlamento, mas o pertencer ou ser visto como pertencendo à corporação dos futebóis. Como muitos outros integram a lista não pela sua valia intrínseca, mas por serem sindicalistas, empresários, agricultores, pescadores, jovens, mulheres, reformados, deficientes e por aí fora. No caso de Pôncio Monteiro, existe ainda uma razão adicional e conjuntural para o convite: a pretensa hostilização de Rui Rio a Pinto da Costa que, para muitos pigmeus cronicamente atacados de nanismo político, pode acarretar uma hecatombe eleitoral, na convicção profunda de que os eleitores não passam de talibans totalmente manobrados pelos mullahs das diferentes seitas clubísticas.

Ao fim de tantos anos, isto a mim causa-me apenas o enfastio do déjà vu, é algo que faz parte das regras que a acefalia reinante considera como intocáveis. Mas também te afianço que não me custa a crer que Pôncio esteja claramente acima do nível médio da lista que integra e que, em sede parlamentar, venha a revelar algumas qualidades tribunícias. Estou mesmo certo que, neste âmbito, pedirá meças a algumas figuras insignes que por lá passaram nos tempos áureos do cavaquismo, como sejam o federativo Gilberto Madaíl, o robusto Prof. João Mota ou o mui arguto Adriano Pinto. Qualquer um destes candidatou-se na altura a coberto de vários "notáveis", então todos muito participativos e que não desdenharam ombrear com tais figuras nas listas. Ou seja, o "santanal" de agora que tanto criticas, em nada difere do "pantanal" que alastra há 30 anos.

Reafirmo-te portanto que só lamento não ver muitos mais candidatos ao nível do Aguiar Branco, muito embora não acredite que, no sistema vigente, ele ou qualquer outro candidato atraiam votos. Como já escreveste em comentários aqui em baixo, as próximas eleições serão um plebiscito a Santana. Eu diria que as eleições em Portugal são sempre um plebiscito ao 1º Ministro cessante e acho que vai sendo tempo de pararmos com a diabolização de Santana, o qual não passa de um produto do nosso sistema político. Por isso deveríamos assumir claramente esta personalização e eleger directamente o chefe do executivo, seja ele o 1º Ministro ou o Presidente da República. E dignificar o Parlamento elegendo os seus deputados de forma uninominal e totalmente em separado (até cronologicamente) da eleição do executivo.

Claro que isto não se concretiza com "pactos de regime" para aumentar a competitividade e resolver o problema orçamental, como o descendente de D. João VI que tanto "idolatras" defende. Há que elaborar antes de mais uma nova Constituição e criar a IV República.