19.7.05

Bolonha e o sistema português de ensino

Mais um ensaio do nosso leitor JBM sobre Bolonha, tema sobre o qual tem reflectido em profundidade.


1. Introdução

O volume de informação sobre Bolonha publicada em Portugal já é grande e o Ministro da C e ES já mandou para a AR um proposta de DL sobre o assunto. Todavia, pouco se escreveu sobre a questão em título.


2. Os conteúdos das Declarações de Bolonha têm sido pacíficos em relação às principais universidades europeias?

Claramente que não. Basta consultar o "Survey" sobre a questão, realizado em todos os países da Europa pela SEFI, June/2004.

A questão da duração mínima "oficial" dos ciclos, especialmente as do 1º e 2º, embora importante, não é fundamental porque nas melhores universidades europeias e dos EUA só uma fracção muito pequena dos alunos consegue concluir cada ciclo no tempo mínimo regulamentar. Com efeito, consultámos os "sites" do Imperial College, instituição característica do que se passa no Reino Unido e do MIT, instituição característica do que se passa nos EUA. Os formatos dos cursos de engenharia por estas duas instituições são bastante semelhantes . Por razões de espaço, e porque tem mais pormenores, só referimos os do MIT e tomamos como exemplo o que se passa com a Engenharia Civil.

Para obter o grau de BSc(Engº) - 1º ciclo - cada aluno tem de concluir:
  • 30 disciplinas semestrais sendo 17 delas de Ciências Básicas e Humanidades que não dão direito a créditos. As outras 13 são assim distribuídas: 3 em "General Engineering Fundamentals"; 4 em "Civil Engineering Fundamentals"; (2+2) em "Design"; e 2 em Laboratórios. Essas 13 disciplinas dão 135 unidades de crédito.
  • Mais 4 disciplinas de especialidade: Estruturas, Geotecnia, etc., que darão 42-48 unidades de crédito. Além disso, o aluno tem de fazer um trabalho individual. No total, sem contar as 17 disciplinas iniciais, para obter o grau cada aluno tem de obter 195 unidades de crédito.

A maioria das disciplinas tem uma ou várias precedências obrigatórias (pré-requisito), isto é, não se pode frequentar a disciplina sem se ter concluído as precedentes. Assim, vê-se bem que só os alunos excelentes conseguirão concluir este 1º ciclo em 3 anos. Isto também acontece nas melhores universidades europeias, como, por exº, a de Delft. Em princípio, não há grandes dificuldades em entrar na universidade, mas cerca de 50% dos alunos são excluídos dela nos primeiros 2 anos. E dos que ficam só cerca de metade conseguem concluir o curso no tempo mínimo previsto. Os alunos excluídos têm de procurar outras escolas superiores ("fachhochshules" = politécnicos) ou escolas médias profissionalizantes. Nos EUA e no Reino Unido a exclusão e o insucesso não parecem ser tão grandes porque, por um lado a duração do Ensino B+S é de 13 anos e as propinas são elevadas, por outro a profissão de engenheiro não tem um estatuto social muito elevado e, portanto, só vai para esses cursos quem realmente se sente habilitado e vocacionado para as engenharias.

Tudo isto representa uma cultura completamente diferente da que existe em Portugal. É natural que muitos governantes do país, mas não a opinião pública, tenham consciência da situação. Porém, dados os custos eleitorais envolvidos, não tiveram até agora coragem para tomar as decisões apropriadas, que são indispensáveis para garantir a desejada "empregabilidade" nacional e internacional dos diplomados deste país.

Aqui todos querem ser "doutores" e acham que têm o direito de o ser, mesmo sem terem dotes intelectuais nem hábitos de trabalho para isso. Ser um bom artífice especializado (carpinteiro, marceneiro, electricista, serralheiro, mecânico, construtor, pintor, picheleiro, sapateiro, etc. etc.) não dá estatuto social, não dá muito dinheiro e, sobretudo, exige esforço manual que se detesta.


3. 2º ciclo de estudos (Mestrado)

No MIT para 2º ciclo de estudos existem dois tipos de mestrado o MEng e o MSc (Eng). Ambos exigem a conclusão de um elenco de disciplinas "avançadas" (High level). Além disso, exigem a elaboração e defesa de uma tese, tendo por base um programa de trabalhos acertado entre o aluno e o seu orientador e previamente aprovado com muito menos burocracia que em Portugal. O MEng tem mais disciplinas e um cariz profissionalizante e o MSc(Eng) tem, em princípio, menos disciplinas e mais investigação e está indicado para os que pretendem prosseguir para doutoramento.

Embora o MIT e o IC, indiquem uma duração mínima de 1 ano para obter este grau, praticamente só os alunos excepcionais o conseguem adquirir nesse tempo. No IC podem ser admitidos ao MEng não só alunos do ramo de Engenharia em causa com um BSc(Eng), mas também alunos com um BSc em Física, Matemática, Geologia, etc., desde que a Comissão de Admissão considere adequado e que o candidato (que deseja "reconverter-se" para a profissão de engenheiro) tenha obtido boa ou muito boa classificação no seu curso.


4. Ensino Básico e Secundário e sua influência na duração e no sucesso no ESup

Já referimos que a duração do Ensino Básico + Secundário na grande maioria dos países europeus (e não só) é de 13 anos. Só isso bastaria para nem sequer se considerar uma duração inferior a 4 anos para o Ensino Universitário de Engenharia. Porém, o pior é o estado lastimoso em que continuam em Portugal esses níveis de ensino.

De muitos males enfermam esses sistemas. Os programas, em geral, não têm as matérias bem ordenadas e são, algumas vezes uma trapalhada. E, para piorar, em cada ano o programa de cada disciplina não é cumprido, pelo menos na grande maioria das escolas públicas. Os alunos chegam ao fim do 4º ano sem nada saberem de Matemática, de Português ou de História de Portugal. Já atrasados, entram no 2º ciclo do Básico e os docentes não avançam nas matérias porque em cada turma há meia dúzia de alunos fracos ou muito fracos e os professores não podem "retê-los" (já não se diz reprová-los). Por isso a situação piora ano a ano até se chegar ao 9ºano. Aí há que fazer "exames de aferição" a nível nacional que até agora servem só para fazer o "ranking" das escolas! Não são exames para responsabilizar os professores pelos programas não cumpridos e avaliar o que os alunos assimilaram da matéria de cada disciplina. Entende-se que os exames provocam angústia e traumatizam os alunos e que não são representativos das "competências" adquiridas pelos alunos (não sabemos como pode haver "competências" sem conhecimentos!). Note-se que analisámos os enunciados de alguns exames e verificámos nos de matemática que cerca de metade das questões estava bem posta, mas outros 50% eram questões de tipo "charada" que nada testavam dos conhecimentos do examinando. O tema para a composição ou redacção de alguns exames de Português, que vale 50% do total, era simplesmente absurdo e incompreensível, mesmo para um aluno muito bom.

Em geral, não se ensinam os alunos a estudar e a raciocinar desde o 1º ano, nem se criam neles hábitos de trabalho. Diz-se-lhes que estudar não deve ser trabalhar: o estudo deve ser uma actividade lúdica. Os alunos são assim induzidos (e muitos pais concordam), a sair da escola e correr para os jogos de vídeo. A grande maioria destes é deformadora, não formadora nem informadora.

Assim, muito atrasados e "deformados" chegam os alunos ao 10º, 11º e 12º anos. São, por isso, incapazes de recuperar o que não aprenderam nos 9 ou 11 anos anteriores. Daí as médias miseráveis que obtêm nos exames nacionais do 12º ano e nas das disciplinas de Matemática e Física, específicas para a entrada nos cursos de Engenharia.

Por outro lado, fala-se do "combate" ao abandono e insucesso escolar, como se todos os alunos devessem manter-se nos Sistemas de Ensino B+S até aos 20 anos, mesmo que não revelem hábitos de trabalho nem dotes de inteligência para poderem prosseguir com êxito estudos superiores! Não há escolas de "Artes e Ofícios" e "Industriais e Comerciais" convenientemente apetrechadas para receberem os alunos que, tendo porventura menos inteligência mas mais habilidade de mãos, poderiam aí concluir, com sucesso e proveito para toda a Sociedade, cursos profissionais de nível médio. A carência deste país (e de muitos outros) de artífices das várias profissões é bem patente. Por conta própria ou assalariados teriam sempre emprego, dentro ou fora do País.

Sobram "cursos curtos" de reconversão ou de formação profissional, dados no âmbito do Ministério do Emprego e Formação Profissional, muitos deles por "monitores" geralmente incompetentes, mas com "carteira de formador", obtida também em cursos curtos ao preço de ? 500,00.


5. Conclusões

Sem haver um Governo com possibilidade e coragem para tomar medidas "radicais" no Ensino B+S para haver nele exigência desde o 1º ano e garantir a sua eficiência; e sem se criar uma rede de escolas de "Artes e Ofícios" e "Industriais e Comerciais" convenientemente apetrechadas para absorver os alunos que não revelam ter capacidade para prosseguirem estudos de nível superior, mas revelam ter interesse por trabalhos manuais e outros profissionalizantes, continuarão a entrar nas escolas universitárias estudantes que não são capazes de concluir os seus cursos.

Nesta situação não garantimos a nossa entrada com sucesso num "espaço europeu do conhecimento de nível superior", com Bolonha ou sem Bolonha, com 3+2, 4+1 ou mesmo 4+2. As fórmulas de duração e o "paradigma de ensino" não resolverão o problema do desemprego dos licenciados portugueses de hoje e de amanhã. Salvar-se-ão os de Engenharia que concluírem cursos com maior saída, se o nível de exigência não continuar a baixar e se a duração do 1º ciclo não for inferior a 4 anos.

Para isso, o regime de precedências tem de ser restabelecido; as prescrições têm de existir; no Senado os votos dos alunos mais o de um funcionário, não devem poder eleger o reitor de uma universidade, contra os votos de todos os docentes; etc., etc..

JBM - Julho/2005