Algures aí por baixo, houve choro e ranger de dentes por se terem comparado os «apparatchiks» dos partidos da direita do regime a «matilhas de cães esfaimados à procura de qualquer coisinha que lhes caia em sorte», sempre que se vislumbra a miragem do poder.
Eu lamento ter de o dizer, mas, em matéria de «boys», de distribuição de tachos e de penachos pelo pessoal dos partidos, de utilização do Estado e do respectivo orçamento para satisfazer as suas clientelas partidárias, os governos de direita não se portaram muito melhor que os de esquerda. Pelo contrário, foi um fartar vilanagem e, se é necessária uma justificação para não se ter encurtado, nestes últimos três anos, muito da despesa pública do funcionalismo político do Estado, ela está precisamente aí.
Se neste momento se discute a existência ou não de uma direita liberal em Portugal com vocação de poder, há pois que inquiri-la no sentido de saber se ela quer manter a regra ou se prefere sair dela. Pelo que a mim me toca, pouco me sensibilizam as proclamações de amor à liberdade, à iniciativa privada e à destatização. A política não é feita de belas intenções e de bons princípios. É feita de homens, com homens e para homens. Com compromissos que devem ser publicamente assumidos e honrados quando chegar a hora devida. Rigorosamente fiscalizados pelos cidadãos que, em momento determinado, confiaram o poder, o seu poder, àqueles que os governam.
O liberalismo pode e deve arrogar-se de sempre ter mantido uma cultura de exigência em relação aos detentores do poder. Ficar aquém disto é não perceber que os seus fundamentos se situam na esfera da cidadania e do indivíduo, e não no domínio público. A nós liberais, a coisa pública interessa-nos na estrita medida em que pretendemos que ela não nos incomode na nossa vida privada, ou que o faça na menor dimensão possível. Quando criticamos o pessoal político, não é para o substituirmos, mas para lhe limitarmos as prerrogativas, as apetências vorazes e a possibilidade de as materializar à nossa custa. O liberalismo não está vocacionado para o poder, mas para lhe impor barreiras e entraves em defesa de cada um e de todos nós. Por isso, saber quem vai gerir a coisa pública é muito importante, não por apetência para o fazermos em alegre consórcio com quem vive disso, mas por regra de precaução. Ou seja: discutimos o poder não para o exercermos, mas para o fiscalizarmos e lhe impormos regras em defesa de nós próprios.
Assim, um dos indícios importantes para aferir da natureza genuína de uma direita política que se pretende liberal, é saber com quem ela quer vir a governar o País. Se se mantiver enfermada às estruturas anquilosadas dos partidos, estamos conversados. Elas representam o pior que existe da tradição estatista portuguesa, de tachismo e de clientelismo que asfixia a sociedade civil, e que, infelizmente, é muito antiga em Portugal. E é necessário dizer, ou repetir, que, em tal matéria, não são só os governos da esquerda que se têm portado mal. Os da direita, infelizmente, não foram melhor. Por isso, se como oportunamente foi dito e bem dito, a direita não estava preparada para assumir o poder na sua última experiência governativa, é mais do que legítimo perguntar-lhe como e com quem se pretende agora preparar. Porque, se é para ser mais do mesmo, não vale a pena perder tempo com ilusões.
Quanto à imagem da canzoada, admito que possa ter sido excessiva e desagradável. As minhas desculpas a quem enfiou a carapuça, se bem que possa assegurar que não tinha sido direccionada a ninguém. Apesar de pesada e deselegante, julgo que esta questão zoológica terá ficado, mesmo assim, um pouco aquém daquela célebre mas certeira imagem proferida em tempos pelo Dr. Paulo Portas, quando comparava as «jotas» dos partidos a verdadeiras «escolas de crime».