9.7.05

«REESCREVER A HISTÓRIA», SEGUNDO O DOUTOR VITAL MOREIRA

A história oficial do PREC colocou o General António de Spínola na categoria dita infame de golpista contra-revolucionário, com tiques de sidonismo autoritário.
O Doutor Vital Moreira, ao tempo destacado dirigente do PCP e um dos protagonistas mais influentes da Assembleia Constituinte, considera-o o inspirador do «Golpe Palma Carlos (13 de Julho de 1974)», cujos objectivos seriam a instauração de um regime autoritário na pessoa de Spínola, que restringiria as mais elementares liberdades políticas, desde logo, o sufrágio universal e o pluralismo partidário.
Não ocorre ao Doutor Vital perguntar que estranha razão havia de levar um velho democrata, o Dr. Adelino da Palma Carlos, opositor de sempre ao Estado Novo e a Salazar, homem próximo da esquerda socialista, republicano e maçon do Grande Oriente Lusitano, a aderir, subitamente, ao «caudilhismo autocrático» de Spínola e à contra-revolução.
Como, também, seria conveniente que ele nos dissesse porque bizarro motivo os democratas do 25 de Abril escolheram Spínola para Chefe de Estado e cabeça de cartaz de uma revolução em que ele nunca participara, senão no momento final e simbólico da transferência de poder das mãos de Marcello Caetano, a pedido dos chefes do golpe. Se, afinal, Spínola era um autocrata sidonista megalómano, certamente que não revelara essa interessante faceta da sua personalidade na terceira idade, período da vida em que o 25 de Abril o apanhou.
Ora, na ausência quase certa de resposta do Doutor Vital, eu atrever-me-ia a adiantar uma hipótese de solução para estas duas intrincadas questões.
O General Spínola foi escolhido pelo MFA, apenas e só para assegurar o sucesso do golpe e nada mais. Conservador e partidário de uma independência negociada das antigas colónias ultramarinas, Spínola tranquilizava as altas patentes das Forças Armadas, os sectores democráticos da sociedade e a comunidade internacional ocidental, sobretudo, os Estados Unidos da América. Quando o golpe triunfasse e o general fosse despiciendo, iria «borda fora», como, de facto, foi. Com Spínola e Adelino da Palma Carlos, a descolonização não teria sido o que foi, as nacionalizações não teriam sido o que foram, e o gonçalvismo não teria chegado onde chegou. Era necessário afastá-lo do poder e substitui-lo por alguém que deixasse, ou quisesse, fazer o que, infelizmente, foi feito. Esse homem chamou-se Francisco da Costa Gomes, e a História há-de um dia pronunciar-se convenientemente a seu respeito...
Por isso, é natural que o «fascista» Palma Carlos quisesse pôr um termo a isto. Que «Presidente-Rei» António de Spínola, apercebendo-se do que estava a suceder, quisesse impedir o radicalismo destemperado do PREC e as suas malfadadas consequências. Que os partidos democráticos, onde seguramente o PCP não se incluía, quisessem quisessem outro caminho. Só o Partido Comunista, o MFA e os sectores da extrema-esquerda gostavam do que estava a suceder, e se não foram mais longe, se não conseguiram chegar onde queriam, se foram feitas eleições democráticas (ainda que sob a tutela pretoriana do MFA) isso não se deveu a eles, como insinua o Doutor Vital, mas à resistência popular que lhes foi oferecida.
Resta-me dizer que, muito novo ainda, conheci de vista António de Spínola nos seus últimos anos de vida. Vi-o em Agosto, alguns anos seguidos, de férias no Hotel do Luso, onde, reza a lenda, terá escrito o «Portugal e o Futuro». Era um homem de semblante carregado, triste e sorumbático. Tinha medo do que a História pudesse vir a dizer dele e ele próprio duvidava do seu papel nela. Sabia-se vaidoso e orgulhoso, e não ignorava ter aceite responsabilidades para as quais não estivera à altura. A tentativa de fazer parar a marcha do PREC, por via de um golpe contra-revolucionário com Palma Carlos e os sectores responsáveis das Forças Armadas, ao invés do que afirma o Doutor Vital Moreira, enobreceu-o e reconciliou-o com o seu país.