A propaganda do Estado Novo alicerçou-se na singularidade da ditadura portuguesa eficazmente transformada na boa ditadura. Desenhada como uma excepção no mundo dos totalitarismos nazi e comunista e devidamente humanizada perante a demência desumana do capitalismo, a ditadura portuguesa e o seu "bom ditador" construiram um imaginário quase ruralizado em que as casas de granito, as palhotas e as açoteias pontuavam o mapa-múndi ao longo do traçado da viagem ? também única ? de Vasco da Gama.
A questão da singularidade do nosso destino - singularidade essa que tem o seu expoente em mistificações rançosas como aquela que garante que a palavra saudade não tem equivalente em mais língua alguma - voltou a colocar-se com particular acuidade após o 25 de Abril quando vozes várias nos afiançaram que a nossa revolução era ela também um caso único e que íamos construir o "socialismo à portuguesa".
É certo que este culto da singularidade, regra geral usado em Portugal para justificar opções democraticamente injustificáveis, é pontuado com a gesta do modelo. Creio que desde a viagem de Otelo Saraiva de Carvalho a Cuba que não se via algo semelhante ao tom que rodeou a viagem de Sócrates à Finlândia. Desde já esclareço que não me desagradava nada que Portugal tivesse um padrão de vida próximo do da Finlândia mas a forma como recente a viagem de Sócrates à Finlândia foi transformada numa espécie de curso intensivo sobre o modelo que Portugal deve adoptar só tem equivalente mediático na viagem de Otelo Saraiva de Carvalho a Cuba. Esta ideia de que um governante sai do aeroporto num qualquer país e regressa a Portugal no dia seguinte com um modelo alinhavado no bolso é duma infantilidade total. Mas uma infantilidade que em Portugal resulta sempre. Será que alguém sabe o que resultou desta ribombante viagem de Sócrates à terra do modelo além da visita a uma escola e à Nokia? A marcação dum seminário a que comparecerão convidados finlandeses. Enfim nada não aconteça na mais prosaica visita de qualquer director-geral a outro país.