20.3.06

Tratar o Cancro com Aspirina


«A CPE é a precaridade levada ao extremo por uma ideia e uma prática de sociedade obcecada pela acumulação do dinheiro, estrangulada pela contabilidade, e que não resolve, em França como em parte alguma, qualquer problema, a não ser o da carteira dos accionistas das grandes empresas financeiras.» - João Paulo Guerra, Diário Económico
A CPE não passa duma fraca tentativa de tratar um cancro com aspirina. A polémica sobre o Contrato do Primeiro Emprego tem passado muito ao lado de uma das questões mais relevantes: a falta de liberdade contratual no mercado de trabalho cujas consequências mais evidentes são salários mais baixos e desemprego.

O absurdo desde comentário de João Paulo Guerra é imenso. Nem sequer são as grandes empresas e muito menos as financeiras que mais necessitam do CPE. O grande drama está nas micro-empresas, aquelas que nascem e morrem como cogumelos, que precisam continuamente de se ajustar à dimensão dos seus nichos e que vivem em plenas guerras concorrenciais. É das micro-empresas de hoje que nascem as grandes empregadoras de amanhã. E, infelizmente, em França como em Portugal, há muitas que preferem não nascer, tal a brutalidade da legislação inibidora de actividade e tal o risco de contratação de recursos humanos. E mesmo em grandes empresas, há cada vez mais projectos a morrer no papel.

Custa entender porque é que o empregador 'A' não pode contratar um cidadão 'B' livre de imposições externas. Admita-se que 'B' está disposto a prescindir da sua garantia de não despedimento a troco de um aumento de 15% no salário. Haverá alguma razão válida para que não o possa fazer?###

A protecção excessiva aos empregados tem inúmeras consequências negativas para toda a sociedade.

1. A falta de liquidez do mercado de trabalho. A empresa "XYZ" tem um mau contabilista bem pago. A empresa "XKW" tem um bom contabilista mal pago. Num mercado livre, a primeira empresa despedia o mau contabilista e contratava o bom. A empresa mal pagadora contrataria o mau contabilista. Ao pagar mal, nunca conseguiria contratar os melhores.

Nada disto acontece. Como a "XYZ" não pode despedir o mau contabilista, não pode contratar o bom. O mercado cristaliza. Os bons quadros insatisfeitos não arriscam o desemprego porque sabem que a maior parte das alternativas estão inacessíveis e bloqueadas.

2. O problema da incompetência. Em todas as empresas há quem não sirva para as funções que ocupa. Erros de casting, são como amêndoas amargas. Estão sempre a aparecer. A impossibilidade prática de despedir incompetentes aumenta o custo das empresas, que são frequentemente obrigadas a contratar em duplicado. E empresa pouco produtiva é empresa condenada.

3. O estado, ao mesmo tempo que protege o emprego até ao limite, é perito em causar inúmeras dificuldades às empresas, não mostrando grande piedade pelas novas iniciativas nem pelo investimento. O estado taxa tudo o que mexe, promove legislação inibidora da actividade económica, atola as empresas em burocracias e obrigações ridículas e é o exemplo acabado do mau pagador. Na altura da decisão, o empresário potencial pesa os prós e contras. De um lado, uma vida em sossego, com o estado protector. No outro o cabo das tormentas. Diga-se que é preciso um gigantesco espírito empreendedor para alguém escolher a segunda opção.

4. O efeito de haver mais gente a querer ser empregado e menos gente a arriscar ser empregador, faz diminuir a procura no mercado de trabalho e aumentar a oferta. Os preços de equilíbrio estabelecem-se em patamares muito mais baixos. E os preços de equilíbrio neste mercado chamam-se salários.

5. Cada vez que alguém decide não correr o risco de contratar, há postos de trabalho que não se criam. Cada vez que uma empresa decide importar em vez de produzir, há menos emprego.

6. Salário mais baixos, também, porque o empregador é obrigado a descontar o risco ao preço/salário. O recurso ao trabalho temporário enquadra-se aqui. Em vez de pagar 120 a quem se precisa, paga-se 150 a quem está disposto a suportar o risco do sobre-emprego ? As manpowers, as adecco, as Cedi, as Obritempo, etc. Essas entidades ficam com 50 para si e pagam 100 ao trabalhador.

É natural ver sindicatos e estudantes lado a lado nesta luta. Os sindicatos, porque representam o que de mais conservador há na sociedade, vivem para proteger a mediocridade de muitos dos seus pagadores de quotas e estão-se nas tintas para os desempregados. Os estudantes, porque ainda não fazem ideia de como funciona um mercado de trabalho. Não deixa de ser curioso observar que a liderança deste movimento nasce na faculdade de Sociologia. E depois, há os políticos de esquerda, que se juntam à festa e que ganham pelos dois lados. Ganham os votos dos manifestantes, e a simpatia dos desempregados que acreditam que estão a ser defendidos por quem lhes lixa a vida.

Vale a pena recordar uma história, publicada em tempos no jaquinzinhos,

«J. tinha uma pequena indústria. Precisava entre 10 e 20 trabalhadores, conforme o nível de encomendas. 10 fixos e 10 flutuantes. J. estava disposto a pagar 130 contos/mês a cada trabalhador. Mas, porque não podia livremente contratar e dispensar os trabalhadores ao ritmo das necessidades, J. pagava os mesmos 130 contos a uma empresa de trabalho temporário. Esta, por sua vez, entregava 100 contos a cada trabalhador contratado a prazo e destacava-os para a indústria de J. sempre que este necessitava. J. preferiria contratar directamente os trabalhadores e pagar-lhes mais. Mas não era possível. Em Portugal, o ajuste do número de trabalhadores às necessidades das empresas é ilegal.

Perdia J., perdiam os trabalhadores, perdia o país, ganhava um intermediário que apenas servia para ultrapassar obstáculos legais antieconómicos. Este era um intermediário que não criava valor, mas permitia que a destruição de valor imposta a J. fosse minorada, à custa dos salários daqueles que a lei pretendia proteger. Foi então que um sindicato do sector moveu um processo a J., acusando-o de violar a lei utilizando artimanhas para não contratar trabalhadores sem termo.

Hoje os problemas de J. estão ultrapassados. Vendeu as instalações da sua fábrica à Lidl, onde hoje todos os ex-trabalhadores podem utilizar os subsídios de desemprego para comprar livremente produtos importados exactamente iguais aos que anteriormente fabricavam naquele local.»
Quanto à França, já não tem grande remédio. Quando um doente que se aproxima do estado terminal até renega uma aspirina, as hipóteses de cura são quase nulas. Um dia vai aparecer-lhes um qualquer Le Pen à frente. E no desespero, muitos irão atrás do figurão. Já não falta muito.