Nunca gostei das atitudes que visam distinguir entre aquilo que alguém quer e pensa e a sua situação formal. Do tipo: "enquanto pessoa acho que sim, mas como professor tenho muitas dúvidas". Lembro-me sempre daquela história trágico-cómica de um deputado socialista, já falecido, que pretendia subscrever um abaixo-assinado em que alguns deputados tentavam lavar a honra do Parlamento protestando contra um artigo... desse mesmo deputado. Garantia o senhor, perante o espanto geral, que tinha escrito o texto enquanto jornalista mas que, enquanto deputado, estava em profundo desacordo com o conteúdo do mesmo.
Mas a tudo se chega se a vida dura, como ensina o nosso povo. O Caso Mateus apanha-me desprevenido e provoca-me, entre muitas outras coisas, uma cisão de "quereres", um conflito de percepções, um desejo contraditório de soluções.
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Adianto, desde já, que tenho entendido uma discrepância de princípio nas muitas opiniões sobre esta questão.
De uma maneira geral, aqueles que não gostam de futebol, os que passariam muito bem sem ele, os muitos que não sofrem semana a semana com as vicissitudes do seu clube, os que não têm o hábito de se deslocar aos estádios jornada após jornada, os que não se irritam, os que não importam, os que não nos abraçam sem uma só palavra de explicação depois de uma grande vitória, aqueles que nos telefonam, impudicamente, nas horas sagradas em que o Porto está a jogar na Liga dos Campeões (ou que querem marcar reuniões, jantares e outros disparates para esses momentos), dizem um cândido «Ai é hoje?» e ficam muito sentidos com o tom desesperado e agressivo de quem atende, esses, todos eles, juram querer que o "caso vá até ao fim", que a "a moral e a justiça são mais importante que o futebol português" e alguns chegam mesmo a admitir que seria muito bom "que o futebol acabasse durante 1 ou 2 anos"...
Pelo contrário, tenho notado uma grande reserva nos que não imaginam a sua vida sem a sua paixão clubística qualquer que esta seja. Medo, até. A mera possibilidade dos clubes portugueses serem varridos das competições internacionais até a questão ser resolvida (2 anos? 3? 4?) assemelha-se a um pesadelo insuportável. O futebol português regrediria mais de 30 anos. Inapelavelmente, perderia a excelência, os melhores jogadores fugiriam ao desbarato, os clubes grandes ficariam reduzidos a uma dimensão paroquial. Alguns poderiam mesmo enfrentar dificuldades financeiras que ditariam o seu fim. E tudo isto por causa do Gil Vicente (este finar-se-ia com toda a certeza), do Belenenses, da gentalha que polui a FPF e a Liga e, sobretudo, da FIFA, numa questão em que nenhum outro clube foi tido ou achado mas em que as consequências afectariam todos.
Assim, sou forçado a exprimir-me num estilo que sempre reprovei:
- Enquanto jurista julgo que o Gil Vicente tem razão. Que objecto fundamental do problema está longe de se enquadrar no conceito impreciso "questão desportiva" e que, assim, nem mesmo os muito discutíveis ditames que negam a possibilidade de acesso aos Tribunais comuns se colocariam. Que a actuação dos órgãos de justiça desportiva (impedimentos, substituições "inteligentes" de elementos e decisões mal alicerçadas) foi miserável. Entendo que a FIFA se está a comportar como uma organização mafiosa que quer impor a sua "ordem jurídica" própria à custa de ameaças descabeladas e da força bruta. Que é tempo de dar uma lição de Direito a esses senhores (de lá e de cá) e extrair desse tipo de contextos anti-jurídicos os 25 Estados (em breve 27) que integram a União Europeia.
- Por outro lado, enquanto adepto, tremo de pavor só de pensar nas consequências nefastas que o F.C. do Porto sofreria, no curto e médio prazo, sem nada ter feito para isso. Na terrível injustiça disso tudo. Também, conhecendo a tremenda ineptidão dos nossos Tribunais (que noutros países europeus não é muito melhor), não fico sossegado com a subordinação, pura e simples, do futebol à jurisdição comum - tal poderá significar o fim do futebol.
Seja como for, hoje Barcelos é a capital onde tudo se decide. Dois mil e tal sócios do Gil vão determinar muita coisa. Se calhar, demasiada.