20.12.06

a formação dos juizes


Num regime ditatorial, as leis são feitas pelo ditador ou por alguém do seu círculo de confiança. Comparadas com as leis de um regime democrático, as leis de um regime ditatorial são em pequeno número, são curtas, claras e precisas. Aquilo que os juizes, neste regime, são chamados a fazer é aplicar estritamente as leis.###

Por isso, a formação dos juizes em regime ditatorial é uma matéria razoavelmente simples. Tudo aquilo que se exige de um homem para que ele se torne juiz é uma excelente formação em Direito, mesmo que ele não tenha formação em mais nada, e um excelente estudante de Direito é um candidato potencial a juiz.

Pelo contrário, num regime democrático, a função do juiz é uma função muito mais complexa. Primeiro, porque a democracia, na sua ânsia igualizadora, tende a imiscuir-se em todos os aspectos da vida social - e até em aspectos da vida pessoal dos cidadãos - produzindo uma inflação legislativa que torna difícil, senão mesmo impossível, a qualquer homem dominar toda a legislação em vigor. Segundo, o legislador em regime democrático é um orgão colectivo - como o Parlamento ou o Governo - e não uma pessoa singular, como o ditador ou alguém às suas ordens. O resultado é que as leis democráticas, reflectindo as diferentes sensibilidades, interesses e ideologias que se fazem sentir sobre um legislador colectivo e plural, tendem a ser longas, frequentemente obscuras, ambíguas e, não raro, contraditórias.

Este facto seria já de si suficiente para exigir de um juiz, próprio de um regime democrático, importantes qualificações suplementares, para além de uma boa formação em Direito. Não fosse ainda a circunstância de os juizes, em regime democrático, serem os protectores por excelência dos cidadãos contra os abusos dos outros poderes do Estado, e especialmente do poder executivo.

Nesta função, o juiz de um Estado democrático não se limita a aplicar as leis como faz um juiz de um Estado ditatorial. Ele tem, como primeira função, julgar as leis e até recusar a sua aplicação num caso concreto, quando considere que uma certa lei viola direitos fundamentais dos cidadãos consagrados em leis de ordem superior - como a Constituição - e até que a lei seja apreciada por um tribunal de ordem superior.

Por isso, se a um juiz de um regime ditatorial se exige apenas capacidade para aplicar as leis, a um juiz de um regime democrático exige-se algo de muito diferente, e mais complexo. Exige-se capacidade para pronunciar julgamento. Ora, esta capacidade para julgar não se adquire numa Faculdade de Direito, e nem sequer numa escola que tenha sido estabelecida com o propósito explícito de formar juizes - a qual, normalmente representa uma mera extensão da Faculdade de Direito.

Pelo contrário, esta capacidade adquire-se, em primeiro lugar, pela vivência da cidadania e pela necessidade de ganhar a vida, exercendo uma profissão em condições idênticas às de qualquer outro cidadão. Ela também se adquire pelo estudo do Direito, mas não apenas dele - também da Economia, da Contabilidade, da Ciência Política, da Informática, da Sociologia e outras disciplinas e , sobretudo, pelo estudo da História e da Filosofia. Mas ela adquire-se sobretudo pela maturidade.