30.12.06

Saddam e a pena de morte

1. A prática de julgamentos pelos vencedores é uma prática ocidental que vem pelo menos desde Nuremberga.

2. É também habitual que esses julgamentos não respeitem as regras mais elementares do estado de direito como o princípio da não retroactividada das leis.

3. É ainda normal que estes julgamentos sejam motivados por valores políticos em total desrespeito pelas normas jurídicas em vigor no momento em que foram cometidos os crimes.

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4. O julgamento de Saddam é um julgamento pelos vencedores, mas por comparação com outros casos, até é dos julgamentos pelos vencedores aquele que menos críticas merece. Saddam, ao contrário de outros criminosos de guerra, foi julgado pelos tribunais do seu país, por juízes do seu país, por crimes que ninguém contesta, à luz de leis compatíveis com aquelas que vigoravam no seu país à data dos crimes e foi condenado a uma pena compatível com o sistema jurídico iraquiano.

5. A defesa do estado de direito é incompatível com a defesa de perdões políticos. Só existiam duas hipóteses possíveis, ou o Saddam era julgado à luz da lei iraquiana da época em que os crimes foram cometidos, eventualmente aperfeiçoada de modo a garantir a justeza do julgamento, e nesse caso existia o risco de condenação à morte, ou merecia um tratamento político extra-judicial. A primeira opção é a que é mais consistente com o estado de direito.

6. Um dos poucos argumentos racionais contra a pena de morte é o risco de erro judicial e de abusos por parte do Estado.

7. Mas esse não é o argumento que está a ser usado contra a aplicação da pena de morte a Saddam. Os argumentos que estão a ser usados são de ordem emocional. De apelo a valores civilizacionais subjectivos.

8. O problema dos argumentos emocionais é que eles são aplicados ao sabor das emoções que os acontecimentos despertam. Apesar do 6º Mandamento, a maior parte dos países cristãos só muito recentemente é que aboliram (os que aboliram) a pena de morte.

9. Note-se que, nos países cristãos, o 6º Mandamento apenas protegeu de forma consistente e continuada os cidadãos livres no uso pleno dos seus direitos. O assassínio de condenados e de combatentes inimigos foi considerado um direito legítimo e incontestável durante 90% da história do ocidente cristão.

10. A tradição ocidental sempre foi a de retirar direitos básicos aos condenados. Se é verdade que a pena de morte retira ao condenado o direito à vida também é verdade que a prisão lhe retira o direito à liberdade. Ora, tendo em conta que o direito à vida é um caso particular do direito à liberdade, será muito difícil concluir por argumento racional que a pena de morte viola um direito básico sem concluir que uma pena de prisão também o faz.

11. Curiosamente, a esmagadora maioria dos países que aboliram a pena de morte fizeram-no num período de prosperidade e de paz. Muitos reintroduziram-na em períodos de guerra. Esta correlação entre a abolição da pena de morte e a segurança e o bem estar material sugere que a condenação da pena de morte é influenciada por factores tão comezinhos como o sentimento de segurança ou a escassez de bens essenciais. Uma alteração das circunstâncias tenderá a alterar os sentimentos muito rapidamente.

12. Ou seja, é muito fácil defender a abolição no Iraque quando não se vive no Iraque mas sim numa das zonas mais seguras e prósperas do mundo.

13. Uma defesa sólida da abolição da pena de morte, em todas as circunstâncias, por razões de princípio, não se pode basear em argumentos emocionais volúveis. Terá que se basear em argumentos racionais que sejam independentes do tempo, do lugar e das circunstâncias.