31.12.06

there never was on this earth



Para todos aqueles que, como eu, consideram Hayek o mais respeitável liberal do século XX, é apenas de esperar que, levados por um natural espírito de curiosidade, procurem indagar quais os autores que Hayek - ele próprio - considerava os mais respeitáveis liberais.###

A resposta a esta questão é dada no seu célebre ensaio Why I am not a Conservative, publicado em apêndice ao seu não menos célebre The Constitution of Liberty (Chicago: The University of Chicago Press, 1960). No parágrafo 6. deste ensaio Hayek não deixa margem para dúvidas. Os seus liberais preferidos são Edmund Burke (1729-1797), Thomas Macaulay (1800-1859), Alexis de Tocqueville (1805-1859), William Gladstone (1809-1897) e Lord Acton (1834-1902). E, entre todos, a minha inferência é a de que ele elegeria como primeira escolha Lord Acton (o ensaio referido é, de resto, encimado por uma citação deste autor).

O que é que estes homens têm em comum? A resposta, mesmo se surpreendente, é que, com uma única excepção, todos eles são católicos - e Lord Acton o mais fervoroso católico de entre eles. Porém, é a excepção que constitui o caso mais interessante. Trata-se de William Macaulay (na imagem), que era protestante (evangélico), o historiador que se tornou famoso pela sua The History of England (5 vols.).

Num ensaio publicado na Edinburgh Review em 1840, Macaulay começa assim: "There is not, and there never was on this earth, a work of human policy so well deserving of examination as the Roman Catholic Church..." e prossegue para considerar a Igreja Católica a instituição de maior sucesso que a humanidade jamais conheceu. A razão desta admiração reside, na opinião de Macaulay, na extraordinária - em verdade, única - capacidade que a Igreja Católica sempre demonstrou para lidar com a dissidência - a qual explica, entre outras coisas, a sua enorme longevidade. Vindo daquele que é ainda hoje considerado um dos maiores - senão mesmo o maior - historiador britânico de sempre, ainda por cima protestante, este é um cumprimento extraordinário prestado à Igreja de Roma.

O liberalismo moderno teve os seus primeiros teóricos nos padres católicos das Universidades de Salamanca, Coimbra e Évora durante os séculos XVI e XVII. As teses liberais não vingaram no Concílio de Trento e, após este Concílio, desapareceram das teses oficiais da Igreja - teses oficiais que, desde então, frequentemente representaram o seu oposto. Porém, como notou Macaulay, a Igreja Católica é, no seu seio, uma instituição muito pluralista e capacitada para acomodar correntes de pensamento diversas e até oposições. Por isso, eu não ficaria surpreendido que uma investigação porfiada da produção intelectual da Igreja nos últimos três séculos viesse a reencontrar a genuína tradição liberal no seio da instituição que lhe foi mãe - a Igreja Católica.