29.1.07

estarem lá


O texto que o José Miguel Júdice escreveu para o blogue Sim no Referendo e que o CAA reproduz em baixo em post é um texto que me parece obviamente descuidado. Num comentário que lá coloquei, chamei a atenção para a afirmação do autor que, depois de se declarar um adepto do Sim, conclui: "Finalmente, quero frisar que todos os que votarão 'não' ou 'sim' são a favor da vida".

Não é fácil entender que aqueles que são a favor da morte do feto e aqueles que são contra a morte do feto sejam todos igualmente a favor da vida. Como não é fácil entender a frase que é destacada no post: "As sociedades podem mudar as leis, mas devem sempre aplicá-las". Esta é uma frase que só poderia ser proferida por um polícia, por um advogado, por um juiz ou por um guarda prisional - e, ainda assim, só de uma forma descuidada.###

Porque se todas as leis fossem aplicadas numa sociedade - e, então, em Portugal, onde elas são aos milhões e, ainda por cima, complexas e contraditórias - seria necessário, embora provavelmente não suficiente, empregar todos os cidadãos como polícias, advogados, juizes e guardas prisionais - e não restaria ninguém sobre quem aplicar as leis, e muito menos para pagar os vencimentos aos agentes da justiça.

A principal funcionalidade das leis numa sociedade - como a principal funcionalidade das regras em qualquer outra comunidade, como uma família ou empresa - não é a de serem para aplicar sempre. É a de estarem lá.

E estarem lá, em primeiro lugar, para desencorajar os comportamentos que essas leis ou regras visam inibir; e, em segundo lugar, para serem accionadas selectivamente quando a prevaricação ameaça generalizar-se, e com uma frequência que seja proporcional à gravidade dos comportamentos que elas visam impedir (v.g. , a lei que proíbe os peões de atravessarem fora das passadeiras deve ser aplicada com um grau de frequência menor, relativamente ao número de infracções cometidas, do que a lei que proíbe o homicídio).

Porque se todas as leis fossem para aplicar sempre e sem excepção, os advogados iriam certamente enriquecer - mais os juizes, os polícias e os guardas prisionais. Mas não é certo que restasse alguém na sociedade para lhes pagar.