26.1.07

nunca foi mãe


Provavelmente, uma das razões principais porque os autores liberais do século XX nunca conseguiram impôr as suas ideias para além de círculos muito restritos deve-se ao facto de eles nunca terem reconhecido o altruísmo como uma valor social importante. Estão neste caso, certamente, os economistas Ludwig von Mises e Murray N. Rothbard. Mas, acima de todos, foi Ayn Rand que desvalorizou o altruísmo ao ponto da sua condenação, ao mesmo tempo que elevava o egoísmo ao estatuto de uma virtude moral. Ela é autora de um livro com o título sugestivo de A Virtude do Egoísmo.###

Esta linha de pensamento colocou o liberalismo em rota de colisão com um dos valores centrais do cristianismo - o altruísmo - e desfigurou moralmente uma corrente filosófica que os liberais clássicos do século XIX - como Burke, Tocqueville, Macaulay e Lord Acton - tinham desenvolvido com sucesso à luz dos valores centrais da civilização cristã. O preço que os liberais modernos ainda hoje pagam por esta desfiguração é considerável.

Ayn Rand ambicionou criar uma moral racional, substituindo-a à moralidade tradicional de inspiração cristã - uma moralidade onde o altruísmo não tinha lugar e onde o egoísmo se constituía em um dos seus pilares centrais. Não é aqui o lugar para comentar o sucesso ou insucesso deste empreendimento. Bastará, talvez, dizer que, a julgar pela sua própria vida pessoal, o resultado nâo foi impressionante (cf. Nathaniel Branden, Judgment Day - My Years with Ayn Rand, Boston: Houghton Mifflin Company, 1989).

Adepta fervorosa do capitalismo, Ayn Rand não compreendeu (como Mises ou Rothbard) que
o sucesso de uma sociedade baseada na liberdade das trocas depende tanto do apelo ao interesse próprio de cada uma das partes - isto é, do egoísmo - como do apelo de cada uma das partes ao interesse próprio da outra - isto é, do altruísmo. Ela compreendeu ainda menos que existe uma instituição fundamental na sociedade - e sem a qual o funcionamento da sociedade dificilmente seria possível -, que está assente predominantemente no valor do altruísmo. Refiro-me à instituição da família e ao altruísmo que constituem a característica predominante do comportamento de uma mãe e de um pai em relação aos seus filhos.

Ao condenar o altruísmo e ao exaltar o egoísmo, Ayn Rand tornou-se uma escritora para adolescentes, precisamente aquela fase da vida em que cada ser humano procura afirmar a sua individualidade e ganhar autonomia face à influência dos pais, do mesmo modo que Mises e Rothbard se tornaram frequentemente os ídolos de jovens economistas na adolescência da sua carreira profissional e intelectual.

Como é que uma mulher tão brilhante em muitos outros aspectos poderia ter cometido tamanho erro de desvalorizar um dos valores centrais da vida em sociedade - o altruísmo - ao ponto de o condenar é um mistério que permanece por explicar. E o mesmo se aplica a Mises e a Rothbard.
Uma explicação possível é que Ayn Rand nunca foi mãe. Nem Mises e Rothbard alguma vez foram pais.