26.1.07

penúria e autoridade


Quando os liberais enfatizam a maximização do interesse-próprio e a liberdade das trocas como a solução para o progresso económico e social eles estão a encorajar, embora sem o pretenderem, o crescimento da influência do Estado na sociedade. ###

Numa troca livre ambas as partes esperam e podem, em princípio, ganhar. E a repartição dos benefícios da troca depende crucialmente do zelo com que cada uma das partes protege os seus interesses. Neste particular, o Estado torna-se a contraparte negocial ideal para qualquer entidade privada - pessoa ou empresa.

A razão é que o Estado é uma entidade mal equipada para zelar pelos interesses de todos os cidadãos. Na impossibilidade de todos os cidadãos estarem presentes em cada negociação em que o Estado se envolve, eles acabam a ser representados por um agente da administração pública que, estando a gastar o dinheiro dos outros e não o seu, não possui incentivo a zelar eficazmente por ele.

Para quem procura um emprego e segue o conselho liberal de maximizar o benefício próprio que retira dessa troca, a melhor solução encontra-se geralmente em procurar um emprego no Estado porque é aí que tenderá a obter a melhor relação entre o salário que recebe e a quantidade e intensidade de trabalho que terá de dar em troca.

Para todos aqueles que visam maximizar o seu interesse próprio e desejam vender caro aquilo que, de outro modo, venderiam barato - ou que, noutra variante, desejam encontrar um comprador para os seus produtos, mesmo que este não necessite deles - o comprador ideal é o Estado, e dificilmente encontrarão outro comparável.

Para quem ambiciona maximizar o interesse próprio, obtendo a melhor pensão de reforma face ao número de anos de trabalho que tem de fornecer em troca, o local ideal para a procurar é no Estado. E quem ambiciona coleccionar múltiplas pensões de reforma, servindo um única patrão, existe apenas uma instituição que lhas pode dar - o Estado.

O agente da administração que negoceia do lado do Estado a concessão de um emprego pouco exigente e bem remunerado, a compra de produtos caros ou não necessários, e a concessão de reformas generosas e múltiplas está também a seguir o preceito liberal de maximizar o seu interesse próprio - no último caso, porque ele também vai beneficiar dessas pensões de reforma, no anterior porque ganha as graças ou outros favores de uma empresa que amanhã pode ser seu empregador e, no primeiro, porque ganha estatuto ao comandar um número maior de funcionários na sua repartição.

Neste aspecto, os portugueses não têm nada a aprender com os economistas liberais como Mises ou Rothbard nem com o egoísmo radical de Ayn Rand. Aquilo de que eles estão necessitados é de lições de altruísmo. O altruísmo que leva cada cidadão a sentir-se mal por receber do Estado benefícios que não merece e cada agente da administração a colocar à frente do seu interesse próprio os interesses dos milhões de cidadãos que ele representa.

É pelo altruísmo - e não pelo egoísmo ou sequer pela promoção do interesse próprio - que os liberais podem combater o aumento do peso do Estado na economia. É ainda pelo altruísmo que os liberais podem promover o desenvolvimento daquela esfera da sociedade que é essencial a uma democracia e que constitui um domínio privilegiado do altruísmo - a esfera cívica.

Porém, ao colocarem todo o ênfase na promoção do interesse próprio como motor da prosperidade, os liberais não podem depois ficar surpreendidos que a esfera pública da sociedade não cesse de aumentar ao mesmo tempo que a esfera privada diminui e a esfera cívica se esvazia - e que, a prazo, em lugar de prosperidade e liberdade, obtenham, antes, penúria e autoridade.