15.6.05

De regresso «à luta de classes»?

O JPH do Glória Fácil faz uma profissão de fé em Cunhal e em Soares. Perfeitamente legítimo; cada um presta tributo a quem entende. Eu, da minha parte, não sinto ter qualquer dívida perante Cunhal. Mário Soares ainda teve o discernimento de perceber, em 1975, que o caminho que o país estava prestes a trilhar era fatal e, em tempo, conduziu Portugal para a Democracia. Mas, como alías ficou bem claro ontem na sua entrevista à SIC Notícias, durante anos dormiu com o PCP, embora nunca o tenha querido "desposar". Por isso, não o vou canonizar (noto que a entrevista ontem na SIC Notícias foi muito interessante).

É bom que o JPH se defina. Mas importa notar que ninguém o que fazer passar por parvo. Mas ao ver como escreve dos que pensa que não combateram o fascismo e nos seus descendentes, dá-me a sensação que ainda acredita na «luta de classes». Se os tempos fossem outros, talvez escrevesse no Pravda, ou aderisse ao funcionalismo do KGB. Há no seu post uma certa retórica do tipo tira-dentes.

Agora, parvos somos todos nós, que estamos a pagar a dívida de vivermos num país que, ainda hoje, tem de digerir e recuperar dos devaneios revolucionários de uma geração, que para nos livrar da Ditadura nos onerou com nacionalizações, com Constituições Marxistas, com um Estado Social que nem sequer se digna a funcionar, com um país onde a iniciativa e a riqueza continuam a ser alvo da maior inveja. De facto, tem sido bem cara a factura da Liberdade e penoso e longo o caminho da Democracia.

E há cegueiras que eu não percebo. Ainda este fim-se-semana, lendo a revista do Expresso, me perguntei como se pode ser tão devoto, elogiar e ter orgulho de um processo revolucionário que atirou para a miséria e morte milhões de africanos que falam a nossa língua (já nem falo nas vidas roubadas aos retornados, forçados a regressar à «Metrópole»). Há trinta anos, percebo, no calor da Revolução. Mas hoje? Até podemos afirmar que existiu «Autodeterminação», talvez. Mas «Democracia»? «Liberdade»? Em Angola? Moçambique? S. Tomé? Guiné? Quer o JPH que eu agradeça e preste tributo a quem abriu terreno para a Guerra Civil, para servir de clones de sovietes, cubanos, americanos e sul-africanos?

Tenha lá santa paciência. Venere quem quiser, mas deixe-nos em paz.

Eu amo a Liberdade. Considero que o Estado Novo foi um mau período na nossa história. Uma sociedade de monopólios, estatização da economia. Onde não se promovia a iniciativa, com leis de condicionamento industrial, restrições à importação, entre outras bizarrias. Onde o povo era mantido na ignorância. Com perseguições políticas, certamente. Ainda hoje sofremos culturalmente com os hábitos criados nesse período.

Mas isso não me cega ao ponto de não ver que alguns dos agentes da Revolução tinham projectos para Portugal que não passavam pela democratização; e que muitos actos irresponsáveis foram tomados nesse tempo, em relação aos quais ainda hoje estamos a pagar a factura.

Pois é: infelizmente, esse tributo, estamos todos a pagá-lo.

Rodrigo Adão da Fonseca

P.S. Retirei a expressão «cinzenzo», que tanta confusão causou. Infelizmente, ainda há pessoas que só conseguem ver a preto e branco. Ou, antes, a preto e vermelho. E outros há que parece que têm complexos. O Estado Novo foi um período negativo da nossa história, sim. Eu sou bem claro em relação a isso. Quem vê algo diferente no meu post não está de boa fé. Agora, período «negro» teria sido se em Portugal tivéssemos evoluido para um regime estalinista ou se Hitler tivesse decidido avançar pela Península. Quem não vê isso é «daltonico». Agradeço que se concentrem no post, e não em fait divers como este do cinzento.