1.10.07

Não existem mães do coração nem pais de tubo de ensaio

«Se a senhora que raptou uma "menina" num hospital e que foi descoberta um ano depois, tivesse mais dois ou três anos de convívio com a criança, passaria a ser "mãe do coração"? E que diriam os pedopsiquiatras, esta nova categoria jurídico-mediática?»
http://abrupto.blogspot.com/

a) se Pacheco Pereira está a referir-se ao casal Luís Gomes e Adelina Lagarto recordo que a criança lhes foi entregue por vontade da mãe, a cidadã brasileira Aidida Porto. Quanto ao pai, Baltazar Gomes, nessa fase não se interessava pelo destino ou sequer pela existência da filha.
Foram os pais, Aidida e Baltazar, quem colocou a sua filha numa situação de abandono. O que é assaz diferente de alguém que vai a um hospital buscar uma criança. O acolhimento e o rapto não são actos similares.

b) Prefiro o mais aloucado dos juízes ao mais sereno dos 'psis'. As leis criticam-se, as sentenças contestam-se.. ao passo que os relatórios dos 'psis' nos podem tornar numa espécie de não-cidadãos, tudo num limbo de subjectividade que me inquieta.
Mas se chegámos ao império ds "pedopsiquiatras, esta nova categoria jurídico-mediática" foi justamente por culpa da justiça. O desfasamento entre a realidade e a lei, o funcionamento autista e autocrático dos tribunais que regulam a tutela duma criança com prazos e modos de funcionamento similares àqueles que usam para determinar a propriedade dum imóvel, levaram a que como forma de contornar a justiça se procure dar um valor similar ao da lei a pareceres e opiniões doutros profissionais, como são os pedopsiquiatras.

c) O respeito pela lei e pelos tribunais está longe de implicar uma concordância com o seu conteúdo e modo de funcionamento. Se este fosse um universo perfeito as leis jamais mudariam.
O que torna o caso de Esmeralda/Ana Filipa dramático é que para que a lei seja cumprida é necessário intervir profundamente na vida daquela criança.

d) Até onde nos pode levar o cumprimento duma lei injusta ou sobretudo dum modo de funcionamento dos tribunais que é ele mesmo gerador de injustiça? Pois não é certamente adequada uma legislação que permite manter uma criança no seu primeiro ano de vida a cargo dum casal que diz pretender adoptá-la ao mesmo tempo que o seu pai realiza um conjunto de testes que, afirma ele, caso lhe confirmem a paternidade o levarão a querer a tutela dessa mesma criança.

e) Decidir não criar um filho é uma decisão que deve ser respeitada e tomada sem medo de represálias e com a dignidade possível. E se assim for desejado em absoluto anonimato. Notícias como esta dão conta dos enredos a que uma lei sem dúvida feita com as melhores intenções nos pode conduzir:
http://dn.sapo.pt/2007/05/02/sociedade/abandono_recemnascida_s_joao_atrasar.html

Contudo este respeito por quem decide não criar uma criança não pode transformar-se numa falta de respeito por esse filho. E é isso que acontece quando se omite que entregar um filho a outrém ou não o assumir são decisões que têm consequências. E uma delas é que se perde legitimidade quando mais tarde afinal se descobre que se quer ser pai. Ou mãe.