"(...) Sempre fui claramente anti-Bush, mas há muito tempo que ando para fazer uma dolorosa confissão pública. Então aí vai: o John Kerry é uma decepção.
Mais:os democratas americanos em geral, com a excepção de Bill Clinton e da sua mulher, têm-se comportado nos últimos anos como uns zecas, uns toinos, unschóninhas, uns tótós (e daqui a pouco esgoto o vocabulário que aprendi no Porto).
E por causa deles estamos à beira de assistir à reeleição de GeorgeW. Bush.
Como dizia o outro: "o horror, a tragédia".
Al Gore foi o que se sabe. Tinha tudo pelo seu lado para ser eleito presidente dos EUA, mas, num acesso de puritanismo tipicamente ianque, decidiu rejeitar a herança de Bill "Clintonris".
O resultado foi desastroso. Perdeu as eleições por uma unha negra, assistiu quase sem protestar à chapelada da Florida, e ainda lhe coube o papel de coveiro do seu partido no Congresso. Mostrou ser um democrata, dizem uns; revelou falta de garra e de convicções, digo eu.
Perder as eleições para W. Bush é assim como perder a final do Euro contra a Grécia. Fica mal e faz-nos parecer uns perfeitos idiotas. Al Gore conseguiu-o e Kerry está no bom caminho.
George W. Bush, que eu tantas vezes ricularizo, não tem nada de burro. Sabe perfeitamente onde quer chegar, sabe o que é necessário fazer. Conhece bem o seu eleitorado, é grato com quem o ajuda, e os seus defeitos, que provocam o riso na Europa, são vistos como qualidades na América profunda. Mente quando necessário, ou manda mentir por ele (como se está a ver nas acusações não fundamentadas sobre o passado militar de Kerry) e dorme como um justo, depois de encomendar a alma ao bom Deus que o livrou do alcoolismo, lhe permitiu acertar contas com o pai e chegar a Washington.
Bem podemos nós, europeus, torcer por Kerry ou simular votações na Internet - quando o assunto é eleger o inquilino da Casa Branca são os americanos que mandam. Sorry folks!.
Tenho seguido com atenção a campanha de Kerry. E tem sido decepcionante.
Tem sido decepcionante confirmar a sua falta de carisma, a dificuldade com que responde aos ataques dos republicanos, a total falta de empatia com o eleitorado, a pose artifical de herói de guerra, a falta de diferenças substanciais em relação a Bush em questões de política externa. Kerry faz-me lembrar Jorge Sampaio na mediania, na indecisão, na incapacidade de reagir, de marcar a agenda, de se fazer respeitar. De retaliar.
Os seus ataques a Bush têm o mesmo efeito que se obtém ao apedrejar alguém com pipocas. Perante o ataque cerrado dos falcões republicanos, Kerry reage esgatanhando o ar à sua frente, provocando feridas ainda mais superficiais do que as que sofreu no Vietname (e vejam como a "smear campaign" republicana produziu efeitos até em mim).
Se vivesse na América eu era, provavelmente, republicano. Mas pertenço ao vasto clube dos que acreditam que o mundo não está preparado para mais quatro anos de Bush. Quatro anos de "quero, posso e mando", quatro anos a acender rastilhos, a criar condições objectivas para que floresça o terror que serve de alibi para tudo. Anything but Bush, digo eu. Mas parece que tenho que me preparar, e o mundo comigo, para mais quatro anos de W.. Porque o Kerry, meus amigos, precisa de um milagre para não se deixar derrotar por um parolo do Texas.