Algures por aí, na blogoesfera, tem-se debatido a Igreja Católica, a sua missão, o seu papel no mundo e aquele que é desenvolvido por algumas das suas inúmeras formas e organizações. Em determinado momento, um dos intervenientes questionou o outro, dirigindo-lhe a pergunta fatal: «você, afinal, acredita em Deus ou não?».
Deixemos de lado o preconceito, muito antigo, que esta pergunta envolve, dizendo somente que a convicção de que Deus, a existir, se esgota naquela instituição humana ou noutra qualquer, é tristemente redutora, pouco universalista e manifestamente contrária a qualquer ideia de humanidade, tolerância e bondade. Deus, a existir, não terá privilegiado uns tantos em detrimento de muitos outros, a quem não foi dada a graça de O escutar pela forma romano-católica da revelação, ou não a tenham sabido ou, mesmo até, querido ouvir, A grandeza de Deus, a existir, não faria depender a Sua graça da geografia, da cultura, da sensibilidade ou do tempo de cada um. Pensemos, antes, para não cairmos no preconceito oposto, na resposta à pergunta, colocada na sua forma asséptica, simples e brutal: acreditamos ou não em Deus?
No Deus humanizado das religiões reveladas, não é fácil crer. No Deus bom e misericordioso, que olha por cada um de nós, não. Definitivamente, não. Não existe qualquer ordem moral objectiva no mundo que o confirme, nem a eternidade poderá justificar o que neste mundo se vive. A nossa forma de vida é humana, excessivamente humana, para que nela possamos ver a centelha divina. Eu sei, bem sei, que Deus, a existir, teria dotado o Homem de livre-arbítrio e da capacidade de escolher entre o bem e o mal, e que nessa condição residiria a sua Liberdade, o dom supremo que Ele nos oferecera. Este maniqueísmo a que a Igreja Católica se apegou pode servir de conforto para os crentes, mas não resiste um exame crítico racional. Porque há-de o Homem sofrer? Porque hão-de os inocentes estar condenados ao mal? Para que servem as guerras, as fomes, as injustiças, a opressão e a tortura? Pieguices!, dirão alguns dos que crêem: Deus não poderá intuir-se pelas coisas humanas. No sofrimento e na dor todos nos tornamos iguais perante Ele, e esta seria a condição da nossa humanidade, que nos conduziria à Sua eternidade.
Nunca tive por satisfatória esta dedução.
Compreendo que aqueles que falam em Seu nome e sabem o que Ele diz a utilizem, mas ela não deixará nunca de me parecer uma tentativa honesta de suavizar os males do mundo e dos homens. A verdade é que a vida tem um sentido trágico que sempre se acaba por impor. Mais tarde ou mais cedo, por melhor que ela seja, a vida, acaba sempre mal. E, esta noção, à qual alguns de nós são poupados por muito tempo, desvanece-se com esse mesmo tempo que passa. Os católicos dirão que Deus, apiedado dos homens e do seu triste destino, lhes enviou o Seu Filho, O fez Homem para que com eles padecesse dos mesmos males e lhes transmitisse a mensagem e a certeza na vida eterna. Sempre achei que a dimensão de Cristo, a Sua grandeza e a Sua tragédia, é humana, demasiadamente humana, para poder ser divina.
Porém, a vida possui, sem qualquer dúvida, uma ordem natural que nos transcende. Nessa medida, ela será seguramente sobrenatural. Há regras que a filogénese terá apurado com o curso dos séculos, mas a complexidade da existência não poderá resultar apenas de processos de darwinismo biológico e social. O regresso à terra, destino de cada um e de todos nós, possui um sentido inegável que, sendo físico, é incontornavelmente metafísico.
Esse sentido escapa-nos. E não creio que alguma vez nos tenha sido revelado.