4.9.04

A "solução política" para o terrorismo.

VM, no Causa Nossa, escreveu uma breve posta intitulada "Duplicidade de Critérios".

A ideia-chave é a seguinte: se se defende, porventura, uma solução política para combater o terrorismo tchecheno ("Muitos comentadores duvidam da possibilidade de pôr termo ao terrorismo na Rússia sem uma solução política da questão da Tchechénia"), então, de igual modo, dever-se-á considerar a viabilidade de tal tipo de solução para o problema do "terrorismo palestiniano contra Israel" ou para solucionar a questão "do terrorismo internacional da Al-Qaeda". No fundo, de certo modo, julgo vislumbrar-se ainda, neste raciocínio, o pressuposto - ainda que indirecto e, ao menos, parcialmente - de que é fundamental a compreensão das causas (?) e acções terroristas...

Importa, desde já, referir que, tal como parece ser sugerido por VM, todos preferiríamos uma solução política para acabar, de vez, com qualquer terrorismo; todos daríamos primazia a uma solução negocial, decorrente de uma composição política de interesses, de acordo com os quadros civilizacionais e de organização política ainda decorrentes e reconduzíveis - como dizê-lo?! - à "nossa" cosmovisão de paz e de tolerância.

Mas, quanto a isto, o problema parece ser, precisamente, o da viabilidade, ou não, de tal via...e não só!

Por exemplo, em concreto e, pelo menos, no que diz respeito ao dito terrorismo internacional com a "marca" da Al-Qaeda, bem assim como relativamente à questão do terrorismo palestiniano (e isto se, porventura, for apropriado distingui-los e apartá-los em categorias e "famílias" diferentes!), pergunta-se: o que poderá ser "uma solução política"?

Na realidade, historicamente, temos vivido permanentemente - no que diz respeito ao conflito Palestino-Israelita a tentar "soluções políticas"...praticamente, desde a criação e reconhecimento internacional do Estado de Israel. E Clinton que o diga... .
Independentemente de erros "políticos" (e não só) dos sucessivos governos Israelitas, o facto é que, por exemplo, os mais recentes atentados perpetrados em Israel sucederam em período de plena discussão também "política" sobre o plano (e respectiva execução) da retirada israelita da faixa de Gaza!

E no que diz respeito à Al-Qaeda? Que base política se poderá encontrar quando se faz a apologia da morte pela morte, quando se diz, preto no branco, "vocês querem a vida, nós ansiamos pela morte" ?( - como constava de um dos comunicados de reivindicação do atentado do 11 de Marços, em Madrid - ver, aqui, posta com o mesmo título).

Estamos a falar, com efeito e até certo ponto, de um novo terrorismo pós-moderno, niilista, que se alimenta (mais ainda do que o de antigamente) do culto do terror exclusivamente pelo terror, organizado em rede atomística de "operacionais - suicidas", global, sem se referenciar a um determinado Estado. Deparamos com acções criminosas que se auto-justificam numa espécie de a-ideologia de base superficial e alegadamente islamico-fundamentalista. Ora, é difícil nestre quadro, com estas caracterísiticas, encontrar-se uma solução política directa e viável...

Com efeito, falamos de um certo tipo de cruzada "anti-cruzada", respaldada em motivos religiosos e não políticos.
Os terroristas de hoje movem-se por impulsos de fé (pelo menos, é por aí que são manipulados) e não por questões de interesse!

Por isso mesmo, também não é certo que, relativamente á questão Tchechena, a via política seja, no fim de contas, definitivamente viável - se bem que mais compreensível, atendendo às reivindicações históricas e à própria problemática da construção do " império" (e respectiva desfragmentação) da ex-URSS . Até que ponto o vírus do novo terrorismo não contaminou já irreversivelmente a questão Tchechena? Já se manifestam muitos sintomas disso mesmo....

Há ainda outra questão - no fundo, um perigoso risco - decorrente da afirmação de que a via da política (seja lá o que isso for), tudo poderá resolver, sem mais, relativamente ao problema do terorismo. Perigoso risco, sobretudo, se ficar no ar a ideia de que tal solução política, essa busca de uma solução exclusivamente e a todo o custo na política, será uma alternativa que nos pode permitir deixar de ter o incómodo de assumirmos atitude firme, mesmo militar e implicando, de facto, um novo tipo de guerra, contra este também novo terrorismo.

Ou seja (e aqui estará presente tal risco),

não significará o apelo á "solução política" - ainda que se soubesse qual a via concreta a seguir, o significado histórico e operativo dessa dita solução - uma tentativa de "acalmar" os terrorismos e os terroristas, perseguindo a ilusão de que, dessa forma, sem os hostilizar muito, nos manteríamos a salvo das suas iras?

Recordo-me que ontém, numa reportagem e debate sobre as eleições Norte-Americanas, na SIC Notícias, o jornalista de turno, inconscientemente, colocou a um dos comentadores uma pergunta muito significativa, mais ou menos nestes termos: "Acha que Kerry, se ganhar, conseguirá irritar menos os terroristas islâmicos"?

Dito de outro modo e completando a questão sobre o que é que significa a via da "solução política": não podererá significar o apelo a tal solução apenas e tão só uma atitude defensiva de quem já só reaje à inevitabilidade do terrorismo e se sente refém do medo?
Verificando-se esta hipótese, tal solução não seria apenas o começo da vitória do terrorismo sobre os nossos quadros de vida? Não estaríamos a entregar já, inconscientemente e com consequências futuras imprevisíveis (mas seguramente muito más) o "ouro ao bandido"?

Só vejo uma hipótese de, apelando-se à dita solução política (realmente, seja lá o que isso, em concreto, possa actualmente significar), se combater com um mínimo de eficácia o novo terrorismo: através de uma solução política também ela global, passando pela possibilidade de a comunidade internacional intervir directamente em todos os Estados que, no fundo, permitem e apoiam a estrutura logística das Al-Qaedas e sucedâneas, impondo-se uma nova ordem que, acompanhando a lógica de actuação terrorista actual, seja também ela mais transnacional e menos nacional, corresponda ao reconhecimento da existência de plúrimos centros de interesse e poderes existentes e que já não se enquadram somente na lógica do relacionamento clássico, inter-nacional, de soberanias (mais ou menos) absolutas.

É que este terrorismo que nos assola hoje já se adaptou eficazmente - diria, concorrencialmente - à realidade dos factos marcada pela globalização; a organização institucional da comunidade internacional, ainda não!

Portanto, julgo que apelar-se a uma "solução política" deste problema só faz (um mínimo) de sentido, pressupondo também uma mudança de paradigma da actual organização da comunidade internacional.... É também abrir o próprio debate (sempre adiado, em termos práticos) sobre o fim da ordem mundial do pós-IIª Guerra Mundial e sobre a viabilidade da ONU, tal como a conhecemos.