28.6.05

«To be or not be Liberal»: esta é a questão

Há um ano atrás, pouco se falava em Portugal em Liberalismo. Por vezes, nas notícias, era possível ouvir-se/ler-se a expressão, devidamente antecedida do «neo»; em geral, utilizada para explicar uma certa globalização assente numa matriz «capitalista», corporizada em «multinacionais», globalização esta afastada da grande Utopia Internacionalista das Esquerdas Proletárias.

Todo o discurso político no nosso país, desde que me recordo, e até pouco tempo, girava - e ainda gira - à volta do «Social». Socialismo, Social-Democracia, Democracia Cristã, podem ter concepções diversas sobre o indivíduo e o Estado, sobre a iniciativa privada e pública; mas todas estas correntes defendem a promoção das políticas ditas «sociais», assumindo um conjunto de postulados que raramente eram postos em causa, como a progressividade fiscal, a redistribuição, a solidariedade, o Bem Comum (como algo distinto da mera soma dos interesses individuais), o Estado protector e soberano que todos protege, Educação, Emprego e Saúde para todos (paga pelo Estado, isto é, por todos). Para muitas pessoas, estes conceitos confundem-se até com a noção de democracia.

No último ano, porém, os portugueses têm sido «assaltados pela realidade». O mundo hoje, está mais integrado do que nunca. As empresas vivem num ambiente competitivo mais exigente; há uma forte pressão concorrencial externa; a conjuntura internacional também não tem sido favorável, com os preços do petróleo em níveis elevados.

Neste contexto de maior dificuldade, todos começamos a ver aquilo que já tínhamos antecipado nas nossas «cabecinhas», mas que teimávamos em não querer «enxergar», na esperança remota que «o céu não caísse sobre as nossas cabeças». Nas últimas décadas, o Estado, enfim, não se limitou a impulsionar os direitos sociais. Afinal, absorve metade dos recursos produzidos pela Economia sem, contudo, conseguir promover aquilo a que se propõe. O Estado é um mau administrador da Justiça; não foi capaz de prestar um ensino de qualidade; mesmo na Saúde, o Estado garante o seu acesso de múltiplas e distintas formas (o SNS para a generalidade dos cidadãos; subsistemas corporativos para os seus funcionários). No plano das reformas, o cenário é verdadeiramente psicadélico: sistemas sem comunicabilidade, que limitam a mobilidade profissional e privilegiam profissões e sectores, uns em relação aos outros. O Estado está gordo, obeso, e nem sequer consegue andar.

Uma das bandeiras do Liberalismo é, na verdade, a defesa de um Estado Forte e Mínimo. Daí que perante a obesidade do Estado, e face aos sinais evidentes de doença, muitos procurem no Liberalismo a solução para todos os nossos problemas. Num ano o Liberalismo difundiu-se à «velocidade da luz», sendo possível ler e ouvir, nos debates televisivos, nas colunas dos jornais, nos blogues, posições com um forte pendor liberal.

Observo, contudo, que muitas pessoas procuram o Liberalismo por razões de mera eficiência. Só que, e como dizia aqui no Blasfémias o João Miranda (não encontro o link), a preocupação essencial do Liberalismo não é a eficiência, embora as receitas liberais a promovam. Se assim fosse, chamar-se-ia «Eficientismo», e não «Liberalismo». O Liberalismo preocupa-se sobretudo com a liberdade individual, e com tudo o que dela decorre. Limitar a promoção do Liberalismo a uma receita de emagrecimento é redutor, e pode ser contraproducente (a sensação que tenho é que alguns dos actuais apóstolos do Liberalismo querem «emagrecer» o Estado por questões de eficiência, para depois o voltarem a «engordar»).

A falácia pode ser vista no seguinte exemplo: para muitas mentes, é-se liberal por defender que por cada dois funcionários públicos que se reformam, só um é que «entra», porque esta receita permite «apertar as calças» do défice «dois furos» abaixo no «cinto» da contenção orçamental. Certamente é melhor isto que entrarem dois. Mas de que nos serve esta «poupança» se o excedente for utilizado para tornar ainda mais lenta a agonia da Utopia do Estado Social?

Aderir ao Liberalismo para tentar salvar o Estado na sua vertente Social é uma contradição nos seus termos. O Liberalismo não tem uma cartilha única. Mas está longe de querer defender a redistribuição, o proteccionismo económico, a subsidiação do tecido económico, reformas não capitalizadas, a pulverização do tecido empresarial e das famílias com centenas de impostos e de taxas, o funcionalismo público sem avaliação, a contratação colectiva, a concentração da produção nas mãos do Estado, a sua ingerência no funcionamento da Economia, e de outras bizarrias que são a razão de ser do nosso atraso.

Rodrigo Adão da Fonseca