27.6.05

O problema dos "Pseudo-Reformados" II. (Compromisso mínimo para os detentores de lugares políticos)

(Continuação de texto publicado em 1 de Junho de 2005)
O caso português (continuação)

18. É do conhecimento público a existência de numerosas situações de acumulações de salários com "pensões de reforma", ou com outros tipo de subvenções, com cariz vitalício, por vezes asseguradas por entidades detidas pelo Estado, por parte de detentores de lugares políticos.

19. A tais situações poderá aplicar-se o tipo de considerações já anteriormente expendidas, a propósito da acumulação de vencimentos com "pensões de reforma" (ou, melhor dizendo, de "pseudo-reforma"), com várias circunstâncias agravantes, a saber:
- Os elevados valores de algumas subvenções.
- A idade dos beneficiários, porventura ainda longe da idade da reforma.
- As posições detidas por algumas personalidades na hierarquia do Estado, de quem se espera o exemplo.
- O momento económico, político e social do país, bem como a situação financeira do sistema de segurança social.
- A eventual participação de alguns beneficiários na decisão de atribuir subvenções a conjuntos de pessoas, incluindo a si próprios.

20. Este tipo de situações não colocam provavelmente em risco, só por si, o sistema de segurança social, dado o número relativamente reduzido de pessoas envolvidas. Poderão, contudo, permitir discutir os princípios envolvidos nesta problemática, tendo em conta casos de pessoas que, possivelmente, não serão classificadas como pessoas pobres. De facto, o impacto da "pseudo-reforma" causado por muitos milhares de pessoas com salários e pensões relativamente modestos ou de nível moderado é muito maior do que o impacto de um número restrito de subvenções de montante significativamente maior. Se o impacto económico não é muito grande, o impacto no plano ético pode ser, porventura, muito significativo.

21. Para além das medidas de fundo, do foro legislativo ou outro, tendentes a corrigir este tipo de situações, não será, porventura, exagerado sugerir um compromisso mínimo que detentores de cargos políticos, beneficiários de pensões ou subvenções em acumulação com o vencimento, deveriam, idealmente, assumir perante os cidadãos:
- O abandono da acumulação das pensões/subvenções durante o período de exercício das funções políticas.
- O abandono do recebimento das pensões/subvenções até ter sido completada a idade geral da reforma.

22. Quem não estiver em condições de assumir publicamente este compromisso mínimo poderá correr o risco de não ser levado a sério por alguns cidadãos.

23. As pessoas que participaram directamente na atribuição de subvenções a si próprias, exceptuando-se o caso dos deputados, deverão saber extrair as consequências que entendam como mais adequadas.

24. A problemática dos conflitos de interesse é particularmente difícil de resolver no que respeita às pessoas que definem as regras. Imaginemos, como exemplo teórico, uma assembleia a legislar sobre a função pública, sendo que mais de metade dos seus membros fossem, na realidade, funcionários públicos, ou seja, interessados directos na questão. As pessoas não poderão ser impedidas de se candidatar, nem de votar depois de eleitas, pelo que a solução terá que passar por um aumento da transparência dos processos.

25. Uma solução a ter em conta consistiria na aplicação generalizada de restrições pós-emprego ("post-employment restrictions"), a impor a funcionários do Estado, em geral, e a detentores de cargos políticos, em particular, à semelhança do que ocorre nos EUA. Por exemplo, um ex-titular de um dado órgão político não poderia passar a ser funcionário de uma empresa com a qual tivesse tido uma interacção significativa enquanto agente por conta do Estado.

José Pedro Lopes Nunes

P.S. Um exemplo das normas de restrição pós-emprego - neste caso, a mais restritiva: "No former employee may knowingly make, with the intent to influence, any communication to or appearance before an employee of the United States on behalf of any other person (except the United States) in connection with a particular matter involving a specific party or parties, in which he participated personally and substantially as an employee, and in which the United States is a party or has a direct and substantial interest."