22.7.05

LIBERALISMO «QUIMICAMENTE PURO»

Anda aí pela blogosfera política uma animada discussão sobre o liberalismo, nomeadamente, se ele deverá ser «servido» em estado «quimicamente puro» (?), ou noutro, presume-se, a contrario sensu, quimicamente adulterado. As razões para esta última opção prendem-se com imperiosas necessidades de ordem prática, resultantes do excessivo peso do Estado português sobre a sociedade e a urgência de a libertar dessa subjugação, mas também com considerações sobre a vexatio quaestio da distinção entre a teoria e a prática, o mundo das ideias e da realidade, o dever ser e o ser, isto é, a eterna e platónica divergência entre a essência e a aparência das coisas. Neste pseudo-drama político-liberal, os «Blasfemos» constituiriam uma horda de «talibans» fundamentalistas, avessos às generosas intenções de um segundo grupo constituído por empenhados activistas político-partidários, desejosos por levar o liberalismo à realidade.

Não sendo eu um seguidor daquela velha máxima coimbrã de que «para enfrentar um problema prático, nada como uma boa teoria», conhecendo bem a utilidade da experiência, da vida prática e do «mundo» que ela nos dá, sabendo que a experiência pode ser uma boa mãe, não de todas, mas de muitas coisas, não me revejo francamente nos barbudos afegãos, muito menos no fundamentalismo do «livro» de que eles são seguidores. Graças a Deus, já li mais do que um livro (dois, mais precisamente), o que me confere um invejável estatuto de liberal duplamente instruído, segundo os altos critérios enunciados.

Por conseguinte, não hesito em afirmar, com a minha dupla autoridade, que um dos problemas históricos do Liberalismo em Portugal, tem sido não se saber precisamente do que se está a falar, quando dele se fala. Daí, as confusões recorrentes, em que a nossa direita é fértil, de julgar a Revolução Francesa a mãe e a matriz de todos os «liberalismos»; de pensar que ele se confunde com o relativismo e o «indiferentismo»; de o julgar uma doutrina dos «ricos» contra os «pobres» avessa a qualquer ideia de justiça social; de o considerar, no limite da estupidez da nossa direita justicialista (diria, democrata-cristã) uma expressão do imperialismo comercial americano, ao serviço dos interesses interesseiros da alta finança plutocrática.

Estas e outras confusões, das quais, em grande parte, a direita indígena é responsável, tiveram e têm nefastas consequências no que poderia ter sido uma agenda política liberal em Portugal. Donde, a grande utilidade de se desmultiplicarem iniciativas públicas para o debate do que se possa entender por um liberalismo político português, que tenha por finalidade levá-lo para a praxis de um qualquer futuro governo.

Por isso, não vejo qualquer inconveniente, bem pelo contrário, em que se realizem «cafés», «noites, ou «madrugadas» e «matinés» (para os menos crescidinhos) liberais. Não acredito que se nos aplique a «1ª e única lei Arroja» da Economia, que o saudoso professor portuense em tempos enunciou: «toda a concorrência é boa e desejável, desde que não seja na minha área de actividade». Coisa diferente é percebermos bem do que andamos a falar, de modo a que não vendamos «gato por lebre», nem transformemos uma coisa séria numa panaceia de soluções partidárias para mera propaganda eleitoral.

Por último, a referência aos militantes e dirigentes partidários que aderiram genuinamente ao liberalismo. Estão, obviamente, de parabéns! Não direi que são bem-vindos, porque o liberalismo não possui patentes, nem está registado numa qualquer conservatória do Estado. Se estão dispostos a pugnar pelo liberalismo na sua actividade partidária, tanto melhor. Assim sendo, eu era capaz de lhes dar algumas sugestões: que defendessem empenhadamente alguns princípios de cidadania e de liberdade nas suas estruturas; que pugnassem pelo fim dos aparelhos partidários que fecham os partidos à participação séria dos cidadãos; que propusessem o fim de estatutos soviéticos que habitualmente regem os partidos; que sugiram o fim do «caciquismo» nas estruturas, pejadas de uma parasitagem kafkiana; que se comprometam a não correr violentamente atrás do aparelho de Estado e do respectivo orçamento, quando o alcançarem; que obriguem os seus directórios a assumirem programas de governo, com medidas concretas que visem diminuir o peso do Estado, da burocracia e do funcionalismo político. Enfim, que se comprometam a fazer exactamente o contrário do que, infelizmente, é hábito suceder quando chegam ao poder.

Nestas condições e com alguns destes pressupostos assumidos, não duvido que nos espera a todos um futuro radioso e que Portugal voltará a ser uma grande e próspera Nação, orientada pelos sãos princípios a que todas as sociedades livres devem obedecer.