13.7.05

Será a direita liberal? (O post possível num dia difícil)

O liberalismo não é, no actual contexto político e partidário, nem de direita nem de esquerda. Desde a Revolução de Abril que se formou um consenso granítico (feliz expressão de CAA) à volta de um núcleo central de direitos materializados na Constituição da República Portuguesa, e que mais não é do que o corolário de um modelo social subscrito por todos os partidos com representação parlamentar.

Na verdade, Comunismo, Socialismo, Social-Democracia e Democracia-Cristã, embora tenham concepções distintas quanto ao papel do Estado e do indivíduo, representam as várias faces deste totem que a generalidade dos cidadãos idolatra quase que por intuição.

Apenas a espaços, e de uma forma algo espartilhada, encontramos alguns «laivos de liberalismo» nos programas eleitorais, laivos esses que não são suficientes para se considerar existir, no panorama partidário, uma verdadeira atitude liberal.

A esquerda, hoje, dificilmente terá abertura para protagonizar um projecto com pendor liberal: a esquerda assume, cada vez mais, uma atitude conservadora de salvaguarda e manutenção dos chamados direitos sociais, do modelo redistributivo, dificultando o desmantelamento da macroestrutura estatal. A esquerda tem assim uma atitude conservadora inspirada sobretudo em razões de índole económica de defesa das chamadas «conquistas sociais». Parte da direita, que subscreve a social-democracia e sobretudo a democracia-cristã, é igualmente conservadora pela mesma ordem de razões, embora não actue de uma forma tão corporativista na defesa de interesses particulares (está, neste plano, mais aberta à mudança). O que não significa que não haja resistências corporativas enraizadas também à direita.

Uma certa direita receia o liberalismo, não motivada especialmente por razões de natureza económica, mas sobretudo por estar agarrada à ideia que este, de alguma forma, representa uma ameaça a certos valores tradicionais que considera serem a sua bandeira, como a religião e a família, genericamente «a moral e os bons costumes», acreditando que só por via legal - e por imposição estatal - se poderá travar aquilo que pensam ser ataques ao seu modo de vida. Essa convicção - errada, na minha perspectiva - resulta da circunstância de não se compreender que os valores individuais só estão salvaguardados - de facto, e não de iure - numa sociedade intrinsecamente liberal, efectivamente plural e tolerante, onde o espaço de afirmação de cada um possa fazer-se de um modo verdadeiramente livre mas também responsável.

O melhor exemplo desta falácia ocorre precisamente na Educação, onde a consagração de um ensino público monocromático e cinzentão, de orientação única e marcadamente ideológica, planeado centralmente por burrocratas do Ministério, limita de uma forma drástica a capacidade dos pais definirem qual o rumo da Educação e quais os valores que pretendem transmitir aos seus filhos. Este aspecto tem maior impacto quanto menor for o rendimento das famílias, pois estas nem sempre dispõem de recursos suficientes que permitam acomodar uma dupla oneração da Educação (impostos + propinas em colégios particulares) que permite contornar estas dificuldades; as famílias mais pobres vivem sem alternativa à Escola Pública; se ela for má, nada podem fazer.

Não sendo livre, a Educação de sentido único não é responsável. Veja-se o caso dos recentes resultados da Matemática. Não sendo a escola escolha dos pais, estes não podem ser responsabilizados, direccionando as críticas para o Estado, esse ente paternal que se substituiu aos pais na educação dos filhos.

Ora, alguma direita, que durante bastante tempo pensava controlar o aparelho do Estado, e se julgava inspiradora e conformadora dos comportamentos sociais, começa agora a «acordar», constatando que a Escola Pública já não incorpora nem defende nem os seus valores nem os seus interesses.

A Educação foi um dos temas mais debatidos, tendo sido amplamente discutida a liberdade de escolha e a dificuldade que ainda subsiste em separar a natureza pública do prestador - que mais não é do que uma visão orgânica, formalista, defendida pelos Apóstolos do Estatismo e dos beneficiários deste status quo - da natureza pública do serviço prestado - do ensino em si, e que parte duma visão substantiva, onde pouco releva se o prestador é ou não o Estado, a qual, no fundo, corresponde à preocupação principal de pais e alunos, dos cidadãos descomprometidos do aparelho do Estado, e que são quem suporta, em termos líquidos, o sistema de ensino.

O liberalismo, mais do que uma ideologia, representa uma atitude e uma forma de encarar o modo como o indivíduo se relaciona, quer com o Estado, apenas lhe transferindo as competências para as quais este está vocacionado, quer com os restantes membros da comunidade, assente no pluralismo, na tolerância, e no respeito mútuo pelo campo de afirmação de cada um num espaço que é único.

Rodrigo Adão da Fonseca