Numa sociedade tradicional, a moral não se distingue da lei. Os mesmos valores morais são partilhados por toda a sociedade. Não são necessários procedimentos legais muito complicados. Não existem conflitos legítimos. As ondas de indignação popular criam a pressão social necessária para impedir as formas de dissidência mais moderadas. O ostracismo e o linchamento são suficientes para conter as formas de dissidêncioa mais persistentes.
Uma sociedade moderna não pode ser regulada pela moral tradicional. Os comportamentos não podem depender da ética e das virtudes individuais. A ordem social não pode depender da pressão social. E porquê? Porque as sociedades modernas são maiores e mais complexas. As pessoas já não partilham os mesmos valores e já não se relacionam apenas com a mesma meia dúzia de conhecidos de sempre. As pessoas relacionam-se na maior parte das vezes com estranhos em relação aos quais a a pressão social é inútil.
Por isso, Pacheco Pereira não tem razão. O sistema de valores tradicional e o patriotismo estão de rastos porque são desadequados ao mundo em que vivemos. A regulação das sociedades modernas não pode depender da ética individual, mas da qualidade da lei e das instituições de justiça. O bom funcionamento do sistema democrático não pode depender da virtude dos políticos nem da pressão da opinião pública mas de um sistema de checks and balances.
O cinismo em relação às ondas de indignação períodicas é perfeitamente justificável. As ondas de indignação são respostas totalmente desadequadas ao problema que se pretende resolver porque, por um lado, geram bodes expiatórios fáceis contribuindo para que as instituições possam continuar a funcionar da mesma maneira, e por outro, são uma expressão do horror ao rigor jurídico necessário para a regulação de uma sociedade sofisticada.