Ontem, no Café Blasfémias em Aveiro discutiu-se liberalismo. Dado que algumas pessoa presentes foram bastante críticas do liberalismo, a discussão tornou-se bastante interessante.
Uma das linhas de argumentação seguidas contra o liberalismo foi tentar mostrar que, em termos de liberdade interna, uma empresa e o estado são semelhantes, pelo que as empresas não podem ser consideradas instituições liberais. Segundo esta linha de argumentação, o funcionário de uma empresa não é proprietário do seu posto de trabalho e é obrigado a obedecer a ordens dos seus superiores não podendo recusar-se a fazer determinadas tarefas.
Claro que esta linha de argumentação esbarra numa diferença fundamental entre um estado e uma empresa: o estado detém um monopólio legal sobre um vasto território enquanto que as empresas estão sujeitas a concorrência real ou potencial dentro desse mesmo território. Enquanto o estado, dentro de um determinado teritório, só pode ser limitado pelos processos democráticos, as empresas são limitadas pela concorrência.
Argumentou-se que os processos democráticos são tão limitadores do poder do estado como a concorrência é limitadora do poder das empresas. Mas obviamente isso não é verdade. Imagine-se dois países em tudo idênticos, excepto na forma como está organizado o mercado de telefones móveis. No primeiro país, existem 3 companhias de telefones em concorrência. Qualquer grupo que consiga resolver problemas técnicos de limitação do espectro pode criar uma quarta rede, desde que não interfira com as já existentes. Os utilizadores têm o direito de mudar de companhia a todo o momento, a não ser que se tenha comprometido por contrato a não o fazer. Nenhuma empresa tem um monopólio legal do que quer que seja e todas as relações são contratuais. No segundo país, só existe uma empresa que tem o monopólio legal sobre a actividade. Ninguém pode fazer uma empresa ao lado. Os utilizadores não podem escolher entre empresas, mas podem votar de 4 em 4 anos na administração da empresa. Em qual destes países o utilizador médio conseguirá uma melhor relação qualidade/preço?
Algumas diferenças entre os dois sistemas:
Sistema concorrêncial:
- cada um escolhe aquilo que lhe diz respeito, elevada probabilidade de as preferências individuais serem respeitadas;
- as escolhas são feitas todos os dias;
- concorrência potencial pode influenciar os preços.
- sistema descentralizado, risco reduzido
- mecanismos de feedback rápido, tempo de correcção de erros baixo.
Sistema democrático:
- a maioria escolhe por todos, baixa probabilidade de as preferências individuais serem respeitadas;
- as escolhas só podem ser feitas de 4 em 4 anos;
- não existe concorrência potencial;
- sistema centralizado, risco elevado;
- mecanismos de feedback lento, erros demoram pelo menos 4 anos a ser corrigidos.